Neste tempo de pandemia tenho assistido muitas lives sobre temas relacionados com educação e tecnologias. Incerteza é uma das palavras que com mais frequência ouvimos nos palestrantes. Incerteza sobre como será o futuro, ainda que pelo outro lado, também não são poucos os que fazem diversos tipos de projeções vaticinando um aumento dos cursos mediados pelas tecnologias, entre outras mudanças.
Um exemplo dessas predições de aumento foi apresentado por Tony Bates, um conhecido especialista em educação a distância, em outra live que assisti hoje. Segundo ele haverá um crescimento muito rápido nos cursos híbridos, ao redor de 25-30% no momento (70% em 5 anos) e essa será a nova norma. Também deve haver um aumento de 10% em cursos totalmente a distância, com crescimento de 25-30% em 5 anos, e depois o crescimento será menor.
Projeções são baseadas em dados, também acumulam as experiências de seus autores, mas no fundo, consideram também um certo grau de incerteza.
Somado a isso, o mais importante para mim foi que Bates também comenta sobre a mudança lenta, mas gradual na pedagogia, com a necessidade de mudar da apresentação de conteúdos para o desenvolvimento de habilidades de alto nível (Pierre Lévy, da mesma forma sinaliza para mudanças como essas no seu artigo "Coronation"). Por último, Bates também comenta que deverá haver muitos treinamentos sob demanda (sobre como fazer as coisas), ou seja, a dimensão mais instrumental.
Não discordo de nada disso, pois agora mesmo observamos um reposicionamento de foco nas tecnologias digitais no meio desta pandemia para poder enfrentar o desafio de uma educação mediada pelas tecnologias, que neste momento é uma necessidade imperiosa, expressado no interesse evidente dos docentes por capacitações tecnológicas nas quais estamos trabalhando intensamente com o melhor dos ânimos.
Agora, externamente, também vejo com pesar muitos discursos negativos promovidos pelos contrários de qualquer coisa que cheire a tecnologia. Não nas lives, nas quais participam docentes e especialistas que conhecem bem as possibilidades que brindam as tecnologias, senão por aqueles detratores que alçam as vozes e bandeiras em conjunto para sinalizar suas preocupações sempre negativas.
Não duvido que problemas tenham acontecido no ensino remoto que ninguém esperava nem deseja - aparecem todos os dias nos jornais-, reconheço as brechas que são abertas, mas eu costumo ser mais positivo - e isso não quer dizer insensível-, tentando procurar os problemas e falhas para, ao mesmo tempo, tentar encontrar as soluções.
Não sou gestor nem me considero pesquisador, apenas um professor com algum grau de conhecimento sobre tecnologias na educação, mas considero que com uma análise criteriosa podemos brindar pelo menos algumas recomendações e propor ações, sempre que seja necessário. E agora, mais que nunca, mas voltemos para o tema principal das incertezas.
Essas incertezas nos fazem pensar no mundo VICA (VUCA em inglês).
VICA faz referência a um mundo repleto de:
Volatilidade
Incertezas
Complexidade, e
Ambiguidade.
A volatilidade nos leva para um mundo onde as mudanças são velozes, com ciclos curtos, mas os desafios decorrentes são inesperados, instáveis e de duração não conhecida. A incerteza faz referência a um mundo onde não existe previsibilidade, onde estamos expostos a surpresas e a falta das informações necessárias. Na complexidade existem múltiplas variáveis e relações que podemos não conhecer. Os problemas são multidimensionais e não sabemos determinar as relações causais. Também está o excesso de informação. Por último, a ambiguidade pela falta de precedentes e porque abundam os erros de interpretação e de significados mistos. Também é o momento em que emergem novas teorias e modelos para pensar o mundo.
O acrônimo VICA apareceu no livro publicado em 1985 "Leaders: The Strategies for Taking Charge", de Warren Bennis e Burt Nanus, e seu primeiro uso foi um par de anos antes em documentos do Army War College.
Ecoa na obra "Modernidade Liquida"do sociólogo polonês Zygmunt Bauman quando utiliza a metáfora da liquidez para fazer um contraponto com os tempos da certeza que seriam identificados pelo estado sólido.
O mundo VICA continuamente desafia às organizações e uma transformação digital pode ser a resposta estratégica para o mundo VICA e seus desafios.
O objetivo dessa transformação digital estratégica é para uma organização que focaliza nas pessoas e deve ser orientada pelos dados, como mostram Fletcher, Fenton e Griffiths em um livro recente onde explicam como as instituições podem trabalhar visando organizar essa transformação digital influenciada pelo mundo VICA.
Fletcher, Fenton e Griffiths (2020, p. 19). |
Esse esquema tem coisas interessantes que poderíamos comentar , mas agora não vamos entrar em detalhes, porque quero focalizar outro aspecto.
Joseph Michelli toma algumas ideias do autor Kayvan Kian e recomenda que os gestores, neste tempo de coronavírus, prestem mais atenção para as coisas realmente importantes, reconheçam e recompensem aqueles que ajudam a avançar a instituição no meio das incertezas, e para mim, uma das mais relevantes neste momento, que sejam vistas as coisas positivas além das negativas.
Posso estar equivocado, mas quando associamos com coisas totalmente negativas os esforços de um reitor que tenta propor para a comunidade universitária que seja analisada a possibilidade de algum tipo de retomada criteriosa para não deixar abandonados os alunos no meio da pandemia, percebo que estamos olhando apenas um lado, sem muita vontade de analisar o outro, limitando assim as possibilidades de crescer neste mundo de incerteza provocado pela COVID-19, em momentos em que é necessária a colaboração desinteressada e eficaz de muitos.
AnaGutiLaso, no blog de Desarrolla-Te recomenda que para a volatilidade devemos cultivar a versatilidade. Para a incerteza devemos reconectar com a nossa identidade. Para a complexidade, procurar a clareza de um olhar livre de fanatismos e manipulações, assim como a congruência entre o que dizemos e fazemos e, para a ambiguidade que expõe o difícil que é encontrar respostas únicas e que sirvam para todos, devemos depurar a atitude contribuindo para o bem comum.
Por sua vez, Daniel Colombo recomenda ter:
Visão em curto, médio e longo prazo. Podemos mudar, mas é necessário ter uma visão superadora e com um objetivo maior;
Introspecção: como ferramenta de superação pessoal e coletiva, serenar e ver em perspectiva;
Conhecimento: na era do conhecimento nômade a tecnologia ajuda para consultar diversas fontes de informação; e
Adaptação: é necessário ter tempo para adaptar, ainda que seja necessário uma resposta rápida. Adaptar é conviver com um processo onde é necessário mudar alguns padrões de comportamento.
Vou concluir com este fragmento tomado do livro "Cegueira Moral" de Bauman e Donskis:
“Felizes eram os tempos em que havia formas evidentes de mal. Hoje não sabemos mais quais são elas e onde estão [...] Há também o desejo de nos comunicar, não com aqueles que nos são próximos e que sofrem em silêncio, mas com alguém imaginado e construído, nossa própria projeção ideológica - e esse desejo caminha de par com uma inflamação de palavras e conceitos convenientes" (BAUMAN; DONSKIS, 2014, p. 12).
Referências
AnaGutiLaso. COVID para un mundo VICA. El Blog de Desarrolla-Te, 7 abril 2020.
https://desarrolloycrecimiento.home.blog/2020/04/07/covid-para-un-mundo-vica/
BATES, Tony. Post-Covid-19 predictions in Online Learning, Youtube. 19 de abril de 2020. https://www.youtube.com/watch?v=TNwJZH0pYUk
BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
COLOMBO, Daniel. Un mundo V.I.C.A.: cómo adaptarnos para sobrevivir y salir fortalecidos. Puntobiz.com, 11-11-2019. https://puntobiz.com.ar/noticias/val/127200/val_s/142/un-mundo-vica-como-adaptarnos-para-sobrevivir-y-salir-fortalecidos.html
FLETCHER, Gordon; FENTON, Alex; GRIFFITHS, Marie. Why do estrategic digital transformation? In: FENTON, Alex; FLETCHER, Gordon; GRIFFITHS, Marie. Strategic Digital Transformation. Oxon/New York: Routledge, 2020. https://books.google.com.br/books?id=pBTADwAAQBAJ&lpg=PT27
KIAN, Kayvan. What Is Water?: How Young Leaders Can Thrive in an Uncertain World, To the Moon Publishing. 2019.
LEVY, Pierre. Coronation. Pierre Levy`s Blog, 13 May 2020. https://pierrelevyblog.com/2020/05/13/coronation/
MICHELLI, Joseph. VUCA, Coronavirus, and Tools for Human Experience Leadership. The Michelli experience, March 10, 2020. https://www.josephmichelli.com/blog/vuca-coronavirus-human-experience-leadership/
Um comentário:
A reflexão que você faz em cima do acrônimo VICA estabelece relação direta com as coisas que temos visto e, sobretudo, com os discursos dos gestores e educadores nas lives em geral. De um lado, a preocupação e iniciativa em promover ações educativas para os estudantes na pandemia; do outro, a resistência (talvez por medo ou por não conhecer esse universo) à educação mediada pelas tecnologias. Seria um cenário bem menos complexo se os educadores de maneira geral estivessem abertos a desbravar o "novo", a conhecer as múltiplas possibilidades didático-pedagógicas com a tecnologia integrada à educação. Parabéns por nos ajudar a refletir sobre todas essas coisas, com um olhar sereno, humano.
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