27 de jul. de 2022

O maldito 40% da EaD nos cursos presenciais nas IFES

Recentemente participei como aluno em um curso para os docentes da minha instituição, com o intuito de conhecer melhor a Portaria 2.117/2019  que dispõe sobre a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância - EaD em cursos de graduação presenciais ofertados por Instituições de Educação Superior - IES pertencentes ao Sistema Federal de Ensino.

Como tenho interesse nesse tema que, dito seja de passo, está efervescendo na minha instituição neste momento, decidi participar e ver os diversos pontos de vista dos alunos e da professora, todos colegas da mesma universidade. 

O curso, chamado METODOLOGIAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE UM PERCENTUAL DE ATIVIDADES NA MODALIDADE EAD EM CURSOS PRESENCIAIS, foi muito bem ministrado pela professora Lana.

Na primeira aula tivemos um histórico da EaD e das diferentes Portarias do MEC sobre esse tema:
 


Podemos ver que há mais de uma década já existiam esforços para incentivar e regulamentar a incorporação de alguma carga horária nos cursos e disciplinas presenciais. Não é recente.  Depois do 20% veio o 40% de possibilidades de aproveitamento, mas essa incorporação não é obrigatória. Desde que bem delimitada no PPC do curso pode ser em qualquer proporção até esse limite e sem contar as disciplinas práticas.

A primeira tarefa para os alunos do curso foi esta que aparece acompanhada de uma imagem:


Bom, aqui está a minha resposta, na qual acrescentei agora para este post alguns elementos adicionais:


A imagem realmente é bem instigante. Ela me fez lembrar, logo de início, uma live da professora Ana Elisa Ribeiro nos primeiros momentos da pandemia (RIBEIRO, 2020) que depois foi publicada em forma de artigo (RIBEIRO, 2021).

Nessa apresentação da professora Ribeiro, alêm de chamar a atenção para as carências estruturais nas escolas da educação básica, também apresentou como exemplo a foto de um menino de Recife que, sem acesso a dispositivos digitais e internet, recorre a uma loja de telefonia móvel de um importante shopping da capital pernambucana para realizar suas atividades de pesquisa, fato que foi bastante noticiado.

Indo para a pergunta principal, ainda ecoam as palavras da professora Ribeiro, pois no uso de tecnologias na educação, a integração e equilíbrio entre os diversos fatores humanos e tecnológicos é fundamental. Se faltar um elemento, o processo fica manco e não funcionará.

É por isso que resalto a necesidade de uma infraestrutura tecnológica necessária para o desenvolvimento das atividades.

Isso é mostrado de forma mais visual, por exemplo, no modelo Four in Balance, desenvolvido em 2001 pela Fundação TIC para a  Escola,  da  Holanda,  atualmente  conhecida como Fundação Kennisnet.

Esse modelo possui dois elementos (os humanos e os tecnológicos), sendo que o elemento humano é constituído por dois eixos -visão e competência-; e o elemento tecnológico, pelos eixos conteúdos e recursos digitais, e infraestrutura.

Modelo Four in Balance da Kennisnet (ALMEIDA, VALENTE, 2016, p. 31).

Os quatro eixos mencionados no modelo devem ser alcançados em uma perspectiva de equilíbrio entre eles e perpassados transversalmente por um eixo constituído por currículo, avaliação e pesquisa, como podemos ver na representação seguinte, tomada do mesmo documento (p. 35):

 

 

Em relação com a EaD no contexto da UFAL, sem ignorar as outras três dimensões do modelo, julgo essencial que a infraestrutura dos polos da EaD seja mantida totalmente operativa, com computadores atualizados funcionando e com acesso à Internet de qualidade. Não se trata apenas de garantir uma conectividade e redes wifi. É importante que os computadores funcionem decentemente, pois um acesso através de um celular smartphone pode facilitar a conexão e o consumo de informações para o estudo básico do aluno, mas não ajuda muito para a produção de textos acadêmicos, pesquisa multidocumentos e produtos mais complexos, para o qual os computadores tornam-se essenciais.

Dessa forma, chamo a atenção para os polos, mas também as bibliotecas nos diversos campis, como locais privilegiados que são para o para estudo e busqueda de referências e informações, que devem ser plenamento atendidos para facilitar as atividades acadêmicas.     

Só dessa forma, com acesso garantido, é que poderemos dar resposta à possibilidade de ensaiar o oferecimento de algumas disciplinas na modalidade EaD.

Agora bem, a dimensão atitudinal, como aparece no modelo PEAT (DICTE, 2019) e em muitos outros modelos, também considero que não pode ser ignorada.


O nome do modelo PEAT (DICTE, 2019), provêm das dimensões incluídas nele: Pedagógica, Ética, Atitudinal e Técnica (PEAT).  

A dimensão atitudinal inclui a capacidade de adotar e adaptar novas tecnologias em um contexto profissional, para poder usar de forma criativa as tecnologias digitais como apoio a processos de ensino e aprendizagem ou em contexto profissional, além de formar uma profunda compreensão do papel das tecnologias digitais na sociedade (DICTE, 2019 apud ABIO, 2021), mas isso só será possível com uma atitude positiva e abertura para compreender melhor as tecnologias e suas potencialidades percebidas ou affordances, ou seja, o que entendemos que podemos fazer com elas, que é um construto subjetivo e variável. 

Pelo que consigo ver nos últimos tempos, a dimensão atitudinal é geralmente ignorada nas discusões ou manifestações de alguns grupos da nossa universidade que habitualmente derivam de forma pouco produtiva em um “todo ou nada” mas, como vamos os docentes imaginar que podemos mudar as nossas práticas para melhor, e ajudar nossos alunos se não tentamos fazer um esforço nesse sentido, ver outros exemplos, intervençoes razonadas dos outros que não pensam igual, fazer pequenas intervenções em nossas práticas, discutir os resultados, sejam positivos ou negativos e ver como reduzir as dificuldades encontradas? 

Por isso é que considero essa dimensão também muito importante de ser levada em consideração.

Sem deixar de ignorar as diferenças de opiniões, não acho que seja  a melhor das atitudes tentar anular tudo e ficar só na resistência fazendo esforços para que todos os docentes de todas as áreas pensem da mesma forma. A universidade é uma instituição complexa e em nosso caso temos quase 1800 docentes das mais diversas áreas, cada uma com uma cultura de ensino e aprendizagem diferente.

Claro que devemos lutar contra a precarização do trabalho docente, mas também devemos pensar em como aproveitar da forma melhor possível as oportunidades que tenhamos diante. 

Alguns cursos podem utilizar muito bem a modalidade a distância. Agora bem, muita atenção. Vale resaltar que a inclusão de alguma carga horária nessa modalidade implica que o curso será avaliado seguindo os parâmetros para essa modalidade. Existem as condições necessárias? 

Um tema complexo como este precisa ir com muita cautela, mas deve ser  discutido desde distintas vertentes. É necessário ouvir os especialistas, deixar espaços para a introdução de pequenas mudanças e a experimentação pedagógica constante, sem deixar de lutar por melhores condições e as ajudas e apoio que seja necessário. É necessário também pensar de forma serena e informada sobre o conjunto de fatores incidentes. Como recomendo para muitos, uma análise SWOT deve ajudar e não apenas um posicionamento com viés ideológico e ferrenho.

Para saber mais, considero que alguns materiais podem ser úteis como fonte de informação e reflexão metodológica. Por exemplo,  Modelski e Giraffa (2022), Motta (2021) e Pimentel e Carvalho (2020).  

Adicionalmente, alguns textos como o artigo de Lima e Cruz (2022) e o livro de Santos, Lima e Nogueira (2021) podem ajudar para ter outras opiniões sobre o processo de institucionalização da EaD. Em fim, temos que estudar e pensar bem. 

Não precisamos ser especialistas, mas todos somos professores universitários e dessa forma devemos ficar bem informados, pois vejo demasiado achismo nas discussões em alguns setores. Por exemplo, continuamos ouvindo opiniões que misturam ensino remoto com educação a distância como sendo a mesma coisa. 

Antes de finalizar, gostaria de fazer menção de um documento recente da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que pode apoiar as discussões sobre a provocação lançada nesta primeira atividade. Trata-se do relatório Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU. Pela importãncia desse texto e como não tem ainda tradução para o português, fiz uma tradução da seção de Conclusões e recomendações que é possível ver em Abio (2022).

Por último, quero dizer que considerei muito conveniente esta oportunidade formativa, pois foi um momento em que pudemos nos reunir para entender e saber mais, de forma colaborativa, sobre esse complexo tema. Uma pena que poucos docentes participaram nele.

 
Referências

ABIO, Gonzalo. Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação: Um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Blog de Gonzalo Abio - Educação, 8 de jul. de 2022.  

ABIO, Gonzalo. Modelos de Competência Digital Docente. Parte II. Blog de Gonzalo Abio - Educação, 03 de out. de 2021.

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de; VALENTE, José Armando.  Políticas de Tecnologia na educação Brasileira. Histórico, lições aprendidas e recomendações. CIEB Estudos #4, 2016. 

DICTE. Pedagogical, Ethical, Attitudinal and Technical dimensions of Digital Competence in Teacher Education. Developing ICT in Teacher Education Erasmus+ project, 2019. 

LIMA, D. C.B. P.; CRUZ, J. R. Institucionalização da educação a distância no Brasil: desafios e possibilidades. Video Journal of Social and Human Research, v. 1, n. 1, p. 49-57, 2022. 

MODELSKI, Daiane; GIRAFFA, Lucia. Espaço de experimentação para a formação docente. Ponta Grossa, PR: Editora Texto e Contexto, 2022.

MOTTA, Luis Carlos Peters. Cinco etapas para o planejamento e uso de tecnologias digitais em sala de aula. In: GIRAFFA, Lucia (org.). Recursos digitais na escola: volume 1. Joaçaba: Editora Unoesc, 2021, p. 71-86.

PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe da Silva Ponte de. Princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, 23 de maio de 2020.

RIBEIRO, Ana Elisa. Educação e tecnologias digitais na pandemia: ciclos da precariedade. Cadernos de Linguística, v. 2, n. 1, p. e270, 28 Jan. 2021.  

RIBEIRO, Ana Elisa. EDUCAÇÃO e tecnologias digitais: ciclos da precariedade diante da pandemia.  1 vídeo (1h 33min 25seg). Transmitido ao vivo em 25 de jun. de 2020 pelo canal da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), 2020.  

SANTOS, Catarina de Almeida; LIMA, Daniela da Costa Britto Pereira; NOGUEIRA, Danielle Xabregas Pamplona (eds.).  Institucionalização da educação superior a distância nas universidades federais da região Centro-Oeste: Temáticas em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2021.  

SANTOS, Vera Lucia Pontes dos et al. Reflexões sobre a Formação Docente Universitária frente ao cenário da pandemia da COVID-19. In: NASCIMENTO, E. M.; ABIO, G.; LIMA, R.M. da S.; SANTOS, V.L.P. dos (orgs.). Educação mediada por tecnologias: experiências de ensino, pesquisa e extensão em tempos de covid-19 na Universidade Federal de Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2021, p. 20-30.

 

14 de jul. de 2022

Relatório EDUCAUSE 2022

 


O EDUCAUSE Horizon Report® publica relatórios anuais que descrevem as principais tendências e tecnologias emergentes e proporcionam uma imagem do estado atual e futuro do ensino superior, analisando diferentes cenários e suas possíveis implicações. 

O relatório mais recente "2022 EDUCAUSE Horizon Report: Teaching and Learning Edition" foi produzido por um painel de 57 especialistas de ensino superior do mundo todo.

O resumo executivo deste relatório concentra-se nas mudanças que ocorreram na educação após dois anos de pandemia. No ensino superior essas mudanças provocaram uma evolução dos modelos “reativos” ou de “emergência” que foram inicialmente utilizados nas circunstâncias excecionais da pandemia, para modelos diferentes e sustentáveis ​​no futuro, que em alguns casos diferem bastante do que foi feito antes. 

Neste relatório, os especialistas analisaram as tendências futuras em diferentes aspectos do ensino e aprendizagem no ensino superior. Muitas das discussões e propostas que surgiram entre esse grupo de especialistas sugerem que essas mudanças vieram para ficar e que não há retorno ao que era “normal” para muitas instituições. Este relatório resume os resultados dessas discussões e nomeações e serve como um ponto de vista sobre o rumo que nosso futuro pode tomar.

O relatório divide os conteúdos em 4 secções principais: Tendências, onde são analisadas as linhas mais relevantes a ter em conta no futuro, do ponto de vista social, tecnológico, económico, ambiental e político, Tecnologias e práticas chave que são consideradas por ter um impacto significativo no ensino e aprendizagem no ensino superior, Cenários alternativos que podem ocorrer nos próximos 10 anos e Implicações sobre o que devemos fazer a partir de agora. 

Para cada uma das tendências detectadas, analisa-se o seu impacto, evidencia-se a sua importância e a sua inscrição. Também ao final da análise de cada categoria, é oferecida uma lista de outras leituras recomendadas. 

1- Tendências: Explorando o horizonte 

O primeiro capítulo do relatório descreve as tendências que moldarão o futuro do ensino e aprendizagem no ensino superior em todo o mundo. As tendências estão incluídas em 5 categorias principais: Social, Tecnológica, Econômica, Ambiental e Política, dentro de cada uma das quais foram identificadas as 3 linhas de tendências futuras que foram detectadas como as mais relevantes para o futuro próximo:

- Sociais: Como o ensino é uma prática social, e as experiências de aprendizagem no ensino superior são altamente influenciadas pelas pessoas, instituições e o contexto social, é essencial ter em conta as mudanças e tendências no quadro social. As tendências consideradas mais importantes são:

o Ensino híbrido e online
o Aprendizagem baseada em competências
o Trabalho remoto

-Tecnológicas: Devido às necessidades detectadas durante a pandemia, as instituições estão incorporando novas tecnologias que permitem experiências de aprendizagem mais flexíveis e adaptáveis. Quais são as tecnologias específicas e como elas são implementadas em cada instituição são questões a serem definidas para o futuro próximo. No entanto, as seguintes tendências já foram detectadas como as mais relevantes:

o Learning Analytics e big data
o (Re)definição das modalidades de ensino
o Cibersegurança

- Economicas: As instituições de ensino superior devem considerar uma possível diminuição de seu financiamento e adotar novas formas de pensar e planejar suas atividades institucionais. Nesta categoria, as seguintes tendências são consideradas de grande importância e são analisadas:

o Custo e valor dos diplomas universitários
o Economia digital
o Déficit financeiro

- Ambientais: As instituições de ensino superior usam materiais e recursos locais e globais limitados, e suas instalações deixam pegadas consideráveis ​​no meio ambiente que os rodeia. A necessidade de adotar práticas sustentáveis ​​em todos os níveis, muitas vezes negligenciadas no planejamento e na tomada de decisões do ensino superior, será inevitável em um futuro mais preocupado com a estabilidade climática e a sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, as seguintes tendências são detectadas como relevantes:

o Estrutura física do Campus
o Aumento dos objetivos de desenvolvimento sustentável
o Saúde do planeta

- Políticas: Pela estreita relação entre política e ensino superior, tanto pela influência do clima político quanto pela atual eventos, como financiamento ou porque a política é objeto de pesquisa e estudo em vários assuntos, as tendências políticas são de grande importância. Entre os mais relevantes estão os seguintes:

o A instabilidade política, que leva à incerteza no ensino superior
o A ideologia política que influencia a educação
o A diminuição do financiamento público

2- Tecnologias principais e práticas

Esta seção do relatório detalha as tecnologias e práticas que devem ter um impacto significativo no ensino e aprendizagem no ensino superior, com foco naquelas que são novas ou que devem aparecer nos novos desenvolvimentos. 6 itens particularmente relevantes são identificados. 

- Inteligência Artificial para Analíticas de Aprendizagem: 

Nesta seção, o foco está no uso da inteligência artificial pelas instituições para organizar, analisar e entender a grande quantidade de dados obtidos nos diferentes sistemas e plataformas de aprendizagem, e seu uso para melhorar a tomada de decisões , garantindo o sucesso de seus alunos. 

- Inteligência Artificial para ferramentas de aprendizagem: Esta seção se concentra em como os alunos usam tecnologias e ferramentas baseadas em inteligência artificial em suas experiências e ambientes de aprendizagem. 

- Espaços híbridos de aprendizagem: Esta seção analisa os esforços que devem ser feitos nas instituições para implementar espaços de aprendizagem online e híbridos, modificando, redesenhando e adaptando ambos os espaços de ensino. Este aspecto é altamente dependente da tecnologia. 

- Integração de modalidades de ensino híbrido e a distância: A integração das diferentes modalidades de ensino é um dos maiores desafios que as instituições enfrentam, pois implica não apenas levar em conta as mudanças tecnológicas, mas também repensar os modelos e a forma de ensinar e aprender. 

- Micro-acreditações: Esta seção aborda a tendência atual de oferecer certificações não universitárias em áreas específicas do conhecimento, muitas vezes para cursos mais curtos do que os tradicionais em nível universitário.

- Desenvolvimento profissional para o ensino híbrido/remoto: Esta seção analisa a demanda atual no campo profissional para formar alunos em ambientes híbridos e as principais áreas e desafios a serem considerados pelas instituições de ensino superior. 

Para cada uma dessas linhas é apresentada uma breve visão geral e, posteriormente são analisados seu impacto e sua relevância no ensino-aprendizagem, considerando várias dimensões importantes para o ensino superior, como igualdade e inclusão, resultados de aprendizagem, riscos, capacidade de resposta de alunos e professores, custo e novos letramentos necessários para alunos e professores.  Também estão incluídos para cada tecnologia exemplos de projetos de faculdades e universidades que demonstram seu impacto. Novamente, ao final da análise de cada categoria, é oferecida uma lista com outras leituras recomendadas.

3- Cenários


Com base nas tendências observadas e nas tecnologias e práticas consideradas fundamentais, esta seção analisa como pode ser o futuro do ensino superior. Uma série de cenários alternativos são apresentados, imaginando o curso do ensino superior nos próximos 10 anos, que nos permitem estar preparados para antecipar possíveis eventos futuros. 

No relatório, são propostos 4 cenários alternativos.

- Crescimento: A pandemia nos introduziu abruptamente em uma era digital e de trabalho remoto. As instituições de ensino superior normalizaram o ensino online e híbrido, e o uso de analíticas de aprendizagem e big data se intensificou. Esse cenário postula que em 10 anos essas trajetórias iniciadas atualmente continuarão se expandindo no futuro e que o ensino superior continuará crescendo, mas não está isento de problemas que precisarão ser resolvidos. 

- Restrição: O aumento contínuo de eventos climáticos e ambientais catastróficos ao longo de 10 anos indica que a humanidade deve se concentrar em melhorar a saúde do planeta. As instituições de ensino superior devem alinhar seus objetivos e práticas com esses esforços e oferecer experiências educacionais que estejam a serviço do bem-estar global, a fim de enfrentar os desafios ecológicos globais. Esse cenário, portanto, postula que a educação superior deve ser regida por um valor norteador fundamental que conduza suas decisões importantes e suas práticas cotidianas. 

- Colapso: As divisões políticas no mundo forçam as instituições de ensino superior a declarar suas alianças com movimentos políticos nacionais e globais. Estas declarações servem para estabelecer a identidade e missão de cada instituição, e alinhá-las com determinadas ideologias, o que lhes permite obter financiamento, ao mesmo tempo que atrai estudantes que partilham essas ideias. No entanto, essa politização das instituições produz protestos, campanhas de desinformação e até ciberataques às defesas das instituições. 

Nesse cenário, portanto, o ensino superior é assolado por rápidas rupturas e forças de mudança fora de seu controle e acaba sendo dizimado.

- Transformação: As mudanças e a evolução das necessidades do setor levam os dirigentes das instituições de ensino superior a reinventarem o ensino superior. As linhas entre os cursos tradicionais de 4 ou 5 anos e o aprendizado profissional estão se diluindo, e as instituições se concentram em oferecer aos alunos treinamento prático, personalizável e contínuo no conhecimento e nas habilidades de que precisam para seus trabalhos. 

Neste cenário, portanto, estabelece-se um novo paradigma para o ensino superior que lhe permite evoluir com sucesso e prosperar no futuro.

4- Implicações: O que devemos fazer agora?   

Depois de apresentar diferentes visões do futuro possível da educação superior, nesta seção se apresenta, mais concretamente, o que essas tendências, tecnologias e práticas podem significar para determinados tipos de instituições e em determinados tipos de contextos institucionais.

Sete experiências específicas são apresentadas para determinar, com base em cada contexto, o que deve ser feito e quais tendências, desafios e oportunidades se estabelecem em cada caso para o ensino superior. Cada uma dessas experiências surge de uma abordagem totalmente diferente em termos de tipo de instituição e contexto político-social-industrial, sendo muito interessante ler com atenção. Os cenários abordados são os seguintes:

-Ensino Superior na Austrália
-Ensino Superior no Canadá
-Ensino Superior no México
-Ensino Superior na Arábia Saudita
-University Schools nos Estados Unidos
- Instituições de pesquisa nos Estados Unidos
- Perspectiva empresarial


O relatório também apresenta um capítulo que descreve detalhadamente a metodologia seguida e as questões colocadas ao grupo de especialistas para determinar os resultados apresentados neste trabalho em relação a tendências e principais tecnologias e práticas.

Este tipo de relatório é interessante para mostrar o estado atual e as tendências que marcam o ensino superior em todo o mundo. Desta forma, ajudam na reflexão e preparação para o futuro com mais conhecimento e ferramentas e, portanto, com maior capacidade de reação e adaptação.

Até aqui, este texto foi adaptado a partir da resenha realizada por Baldassarri (2022).

Na minha opinião, os prognósticos e cenários que aparecem nos relatórios Horizon em ocasiões não são realizados, principalmente quando as análises são concentradas em determinadas tecnologias e práticas emergentes interessantes, mas que depois nao são aceitas de forma ampla. Neste caso, pela abrangência e pelas provas que recebemos por outras fontes, pode ter um bom acerto. Cabe a nós conhecer o documento e aprofundar naqueles aspectos de maior interesse para cada um.    

Referências utilizadas

BALDASSARRI, S. 2022 EDUCAUSE Horizont Report. Teaching and Learning Edition. Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, n. 32, p. e14, 2022.
https://doi.org/10.24215/18509959.32.e14

PELLETIER, Kathe; McCORMACK, Mark; REEVES, Jamie; ROBERT, Jenay; ARBINO, Nichole et al.. 2022 EDUCAUSE Horizon Report, Teaching and Learning Edition. Boulder, CO: EDUCAUSE, 2022. 58p. ISBN: 978-1-933046-13-6. https://library.educause.edu/resources/2022/4/2022-educause-horizon-report-teaching-and-learning-edition

8 de jul. de 2022

A Plataforma de Avaliações Diagnósticas e Formativas para a educação

Na fala do Ministro da Educação Victor Godoy na Comissão de Educação da Câmara de Deputados no dia 05 de julho de 2022, um trecho que me chamou a atenção foi quando comentou sobre a Plataforma de Avaliações Diagnóstica e Formativa, na atualidade com mais de cinco milhões de alunos cadastrados e com a qual pretende-se ajudar na recuperação do ensino gravemente afetado pela pandemia.

Vejam:

 

https://www.youtube.com/watch?v=m0mrL-LDHBI&t=580s 

 

É triste e até difícil de acreditar que 55% dos estudantes do 3° ano de EF não saibam ler, segundo dados oferecidos pelo ministro.  

Nas palavras dele, essa plataforma é "o coração de toda essa política [de recuperação]".[sic]

https://plataformadeavaliacaoemonitoramento.caeddigital.net

  

Poderemos ver mais informações sobre a Plataforma de Avaliações Diagnósticas e Formativas, por exemplo, aqui

Não duvido que a plataforma e outras ações nesse sentido possam ser de fato uma ajuda importante na educação, mas também temos que ter cuidado com o tratamento dos dados, o papel dos docentes no processo, o equilíbrio nas ações e outros aspectos que casualmente foram alertados no recente relatório da Comissão dos Direitos Humanos da ONU que comentei em um post anterior e que convido a todos que leiam com calma.

Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação: Um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU

 Koumbou Boly Barry. fonte: ONU/Jean-Marc Ferré

 

O relatório Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação, apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU  pela Relatora Especial Koumbou Boly Barry, aborda os riscos e oportunidades da digitalização da educação e suas repercussões no direito à educação.

A Relatora Especial solicita que os debates sobre a implementação das tecnologias digitais na educação sejam realizados em torno do direito de cada pessoa a uma educação pública, gratuita e de qualidade e os compromissos dos Estados a esse respeito, em virtude do direito internacional dos direitos humanos e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 4.

Especificamente, a implementação do direito à educação deve responder às necessidades de todas as pessoas de acessar, dominar e usar a tecnologia como ferramenta de empoderamento para serem membros ativos da sociedade

A digitalização da educação deve ser orientada para uma melhor implementação do direito à educação para todos, onde se mostra um valor acrescentado considerável. Nesse sentido, é importante entender a agenda lucrativa dos lobistas e empresas de tecnologia digital. 

Por outro lado, a digitalização da educação não deve aumentar as desigualdades e apenas beneficiar os segmentos sociais já privilegiados, nem dar origem a violações de outros direitos humanos no campo da educação, especificamente o direito à privacidade.

Pela importância e para efeitos de divulgação vou traduzir aqui de forma não oficial - a partir dos documentos originais em inglês e em espanhol- a parte final do documento.

Conclusões e Recomendações:

A implementação de tecnologias digitais deve ser acompanhada por uma reflexão ético-pedagógica prévia que ajude a compreender e situar adequadamente suas repercussões na educação na perspectiva do pleno desenvolvimento da personalidade humana. As soluções digitais devem ser cuidadosamente examinadas em termos de sua qualidade, sua relevância e suas consequências para a educação nos diferentes contextos locais específicos, com particular ênfase em grupos populacionais já marginalizados, e em termos de sua contribuição para a paz, equidade, inclusão e desenvolvimento sustentável. Portanto, o debate não é simplesmente sobre a adoção ou não das tecnologias, mas sobre quando, como e em que medida, tendo em conta as  consequências positivas e negativas e seu impacto sobre os direitos humanos. O interesse superior dos alunos deve ser sempre uma consideração primária.

A Relatora Especial recomenda que os Estados e outras partes interessadas, incluindo indústrias de tecnologia e instituições educacionais privadas, usem uma abordagem com foco no direito à educação. Deveriam levar  plenamente em consideração o quadro jurídico dos direitos humanos e integrá-lo em seus planos de educação digital.

Isso requer, em particular:

      a) Adotar e usar a tecnologia digital de forma criteriosa, com foco no aluno e idade apropriada para melhorar a disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade da educação para todos;

      b) Adotar ou melhorar a educação digital para todos, tendo em conta a necessidade de todas as pessoas para acessar, dominar e usar a tecnologia como ferramenta de capacitação para ser membros ativos da sociedade, especialmente nos contextos de atividades profissionais, participação política e cívica, a busca, o uso e a produção de informação adequada, a participação na vida cultural e estabelecer relações com os outros. Neste âmbito a autonomia digital deve ser incluída como objetivo;

      c) Respeitar plenamente os direitos à não discriminação e à igualdade, bem como outros direitos humanos, como o direito à liberdade de opinião e expressão, o direito à informação, as liberdades acadêmicas, o direito à privacidade e o direito à saúde. Esta medida implica uma atenção permanente às pessoas mais marginalizadas; 

      d) Respeitar plenamente a dimensão cultural do direito à educação, o que significa que a educação digital deve ser implementada com pleno respeito aos direitos culturais das pessoas, de acordo com suas aspirações, necessidades, recursos e capacidades. Os idiomas locais devem ser integrados aos processos de digitalização. Alunos e educadores, bem como famílias, comunidades e povos indígenas, devem ser empoderados para participar plenamente na tomada de decisões sobre tecnologias digitais e seu uso;

      e) Proteger os alunos no ambiente online de bullying e outros ataques semelhantes;

      f) Que o Estado regule e controle o uso da tecnologia na educação através do estabelecimento de padrões e critérios, cumprimento de normas de direitos humanos e garantia de conteúdo de alta qualidade, relevante e pluralista, bem como garantias adequadas;

      g) Que a educação digital nunca substitua a educação presencial e que não sejam adotadas medidas regressivas injustificáveis que afetem o direito à educação.

Os Estados e outras partes interessadas devem prestar atenção especial ao risco de aumentar as desigualdades no acesso à educação pública, gratuita e de qualidade. A Relatora Especial recomenda, em particular, que os Estados e outras partes interessadas:

      a) Adotem uma abordagem interseccional que leve em consideração gênero, etnia, religião, idioma, deficiência, situação econômica e se a pessoa mora em uma área rural ou urbana, bem como muitos outros fatores que podem afetar a maneira como alunos e professores experimentam a digitalização e, portanto, as muitas maneiras pelas quais a tecnologia pode ampliar, em vez de reduzir, as desigualdades;

      b) Reduzir a exclusão digital, bem como os impedimentos de acesso às tecnologias essenciais, como falta de eletricidade ou conexões adequadas para Internet, para estudantes, famílias e comunidades;

      c) Abster-se de impor interrupções do serviço de Internet nos territórios sob sua jurisdição;

      d) Assegurar que a implementação das tecnologias digitais não introduza custos ocultos para a educação, colocando em risco o direito à educação no ensino fundamental e médio gratuito, bem como a realização progressiva do ensino superior gratuito;

      e) Resolver as desigualdades por meio de um modelo holístico que promova a alfabetização tecnológica além das instituições educacionais para incluir famílias e comunidades;

     f) Garantir ou exigir que as tecnologias para fins educacionais sejam inclusivas em seu design, também para alunos com deficiência.

Os Estados e outras partes interessadas devem garantir que a pedagogia esteja na vanguarda das decisões sobre o uso de tecnologias digitais na educação e que a relação entre professores e alunos continue sendo um importante recurso pedagógico que não seja marginalizado. Devem também:

      a) Garantir as liberdades acadêmicas, também na educação digital, de educadores e alunos, para envolver ambos tanto nos processos de tomada de decisão relacionada à educação digital e garantir que eles possam participar criativamente na implementação e desenho de soluções digitais;

      b) Oferecer formação digital aos professores e reforçar as suas competências e autonomia digital (também no ensino a distância), oferecendo-lhes os meios para manter, dominar e configurar a tecnologia do seu jeito, entre outras coisas para preparar e utilizar conteúdos digitais articulados com as aspirações e necessidades das comunidades locais. Essa capacitação também deve permitir aos professores dominarem as ferramentas e programas digitais desenvolvidos para crianças e jovens com deficiência;

      c) Garantir que os algoritmos não substituam as decisões dos alunos sobre o que e como estudar e como orientar suas carreiras.

Os Estados e outras partes interessadas devem levar em consideração o risco de maior privatização de sistemas e instituições educacionais por meio de processos de digitalização. O Relator Especial recomenda:

      a) Pleno cumprimento dos Princípios de Abidjan, nomeadamente a adoção de normas e regulamentos para o setor privado nesta área, e dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos;

      b) Um esforço coordenado para garantir que a educação seja adequadamente financiada e que os orçamentos nacionais e internacionais sejam protegidos para garantir o direito a uma educação pública gratuita e de qualidade.

Os Estados e outras partes interessadas devem abordar o risco de aumento da atividade de vigilância e mineração de dados em relação a estudantes, famílias e comunidades, bem como educadores e outros profissionais nos contextos educacionais. Nesse sentido:

      a) Devem ser adotadas ou aplicadas em todos os momentos leis de privacidade e proteção de dados específicas para crianças que protejam seus interesses em ambientes online complexos. As leis de privacidade e proteção de dados também devem proteger os adultos em qualquer ambiente educacional, inclusive online;

      b) Antes de implementar tecnologias digitais na educação, devem ser realizadas avaliações de impacto nos direitos da criança e auditorias de privacidade de dados. Devem ser definidas as categorias de dados pessoais sensíveis que nunca devem ser recolhidos nas escolas, em particular de crianças. Todos os serviços contratados para fornecer educação online devem ser seguros para crianças;

      c) Os Estados devem atuar com a devida diligência para garantir que a tecnologia que eles recomendam para o aprendizado online garanta os direitos da privacidade e proteção de dados de crianças e orientar os centros educacionais a incluir cláusulas de privacidade de dados nos contratos firmados com provedores privados;

      d) A publicidade comercial destinada a estudantes deve ser proibida em todos os ambientes educacionais em todos os níveis, sejam eles privados ou públicos, especialmente por meio de conteúdos e programas digitais. Nenhum dado coletado no sistema educacional deve ser usado para fins comerciais, e os interesses comerciais não devem ser considerados motivos legítimos para o processamento de dados que deixe de efetivar o direito à educação ou outros direitos humanos;

      e) Os Estados devem investir em plataformas e infraestruturas digitais públicas gratuitas para a educação, conceder financiamento suficiente para instituições públicas para desenvolver soluções e ferramentas digitais alternativas e gratuitas que não impliquem um mercado de dados pessoais e apoiar o desenvolvimento de ferramentas, plataformas e serviços de dados não proprietários baseados em valores de abertura, transparência e gestão comum (em vez de propriedade individual) de dados. Devem privilegiar a produção e utilização de conteúdos sob a forma de recursos educativos abertos e prestar um serviço de orientação profissional sistemático e pessoal aos usuários;

      f) Os Estados e outras partes interessadas não devem permitir a vigilância de alunos, famílias e comunidades por meio de programas digitais.

Mais pesquisas são necessárias para entender o impacto da tecnologia digital na saúde de crianças e jovens no contexto de Educação. As partes interessadas devem garantir que a educação digital adequada à idade e orientada para o desenvolvimento inclua a prevenção do uso problemático de tela e vícios digitais e desenvolva a capacidade dos alunos para aprender a diferença entre usos saudáveis e prejudiciais da tecnologia digital.

Fontes utilizadas:

Repercusiones de la digitalización de la educación en el derecho a la educación

Impact of the digitalization of education on the right to education

AGENDA 2030. ODS. Objetivo 4.