9 de jun. de 2020

Emergência e educação


fonte: montagem feita pelo autor com imagens tomadas da internet e definição de dicio.com.br


A emergência da pandemia pela Covid-19 acelerou a transformação das práticas sociais mediadas pelas tecnologias. No campo da educação formal universitária, o isolamento social preventivo impulsionou uma ressignificação do trabalho do docente nas diversas vertentes do tripé ensino, pesquisa e educação, agora a distância. 

Não quer dizer que ambientes virtuais e diversas ferramentas tecnológicas não tenham sido utilizados até agora em maior ou menor medida em cursos de qualquer modalidade, mas agora, no isolamento social, a atenção foi mudada necessariamente para o uso das possibilidades de interação para continuar a comunicação com os pares e as atividades educativas com os alunos sem a presença física. Dessa forma, as aulas mediadas pelas tecnologias e a discussão em geral sobre aquelas práticas mais eficazes nesta nova situação ocuparam o foco das atenções de todos.

Aulas virtuais como suportes tecnológicos ao (tele)trabalho docente não são novos espaços nem são os únicos possíveis onde se ensina e aprende de forma não presencial. Os campus virtuais com o uso maioritário da plataforma Moodle são os nossos espaços institucionais que já temos em operação há anos, principalmente nas universidades públicas. Por exemplo, na UFAL, a universidade na qual trabalho, o Moodle foi implantado em 2006 pelo professor Fábio Paraguaçu e usado
por muitos docentes em cursos presenciais e da UAB desde 2007.

Quando falamos em emergência, estamos pensando na resposta imediata pela situação, mas também no surgimento de algo novo  ou diferente, novos momentos, novas condições, novos aproveitamentos, e muito provavelmente, também novas práticas e novas teorias. 

No afã de conceitualizar surgem nomes como ensino remoto, que podem ser até discutíveis, mas que estão aí por necessidade e devem ser observados, explicados e pensados junto com os professores. 

Fonte: o autor

 

 A emergência de (re)utilizar essas possibilidades tecnológicas já existentes e conhecer outras novas possibilidades para o ensino provocou uma necessidade instrumental incontestável, que em princípio parece ser instrumental e tecnocéntrica, mas devido a que é para as necessidades mais imediatas da vida, acrescenta-se um matiz de utilidade prática que aumentam seu aproveitamento.

Por apenas citar um exemplo, no curso de Moodle básico que ofertamos como uma das primeiras ações formativas neste novo contexto, se inscreveram 612 docentes que foram divididos em 14 turmas, e consideramos os resultados positivos. Em paralelo ou na sequência aconteceram outros cursos para avançar nos conhecimentos sobre o Moodle, assim como de outras práticas úteis como produção de videotutoriais e uso do sistema de webconferência adotado pela instituição.

Essas formações emergenciais em tecnologia e docência online para os docentes são neste momento práticas, "com as mãos na massa", para utilização mais ou menos imediata, mas adquirir uma fluência tecnológico-pedagógica leva algum tempo. A reflexão e compreensão acerca das possibilidades de uso e de integração das tecnologias na docência é um processo demorado.

Eu sou professor de uma língua estrangeira, neste caso o espanhol,  e sabemos que o melhor aprendiz é aquele que vincula a teoria com a prática. Não tem nada melhor que aquele aluno que longe de estudar de forma memorística conteúdos isolados da realidade, coloca em prática os conhecimentos que aprende, pois no final, o ensino de uma língua estrangeira deveria ser para as práticas sociais reais ou seja poder compreender e se comunicar com os outros com uma certa fluência.

Também, como formador de professores, ao longo dos vinte anos nessa prática, tenho aprendido que, independentemente do nível de conhecimentos e das diversas competências que cada professor tiver, cada um tem sua forma de pensar e agir, com uma forte influência das crenças e habilidades de base. Essa é a riqueza do ensino e o que divide os professores bons, dos menos bons. Se tudo fosse entandarizado e único acho que os robôs já tivessem substituído os professores há muitos anos, mas sabemos que não é bem assim, ainda que alguns enxerguem essa possibilidade.

Quando falamos em fluência tecnológico-pedagógica, também não pensamos no quê, ou seja, apenas no conhecimento tecnológico, senão naquele conhecimento prático, surgido a partir do estudo e conhecimento, como também da prática repetida e naturalizada trabalhando com as possibilidades tecnológicas que o docente dispõe.  


Com tudo isso deve vir uma melhor articulação, integração e aproveitamento entre a teoria, a necessidade e a prática. Como exemplo que observamos todos os dias, já estamos percebendo a melhor fluência e integração em atividades como as reuniões, aulas virtuais e defesas de trabalhos acadêmicos através de plataformas pouco utilizadas há alguns meses. 

Como bem sintetiza a professora De Luca em um texto recente, "o ensino em tempos de pandemia é uma prática social complexa que não responde a uma única receita e que forma uma trama com a presente situação que nos desafia e ensinar em aulas virtuais" (DE LUCA, 2020, p. 4), mas são as pessoas, e não as tecnologias, as que vão decidir os sentidos atribuídos a estes espaços e possibilidades de formação e de circulação dos saberes. 

Os professores que já utilizavam o Moodle podem ter uma vantagem do conhecimento anterior de seu funcionamento e possibilidades, mas o Moodle é tão poderoso e versátil que eu costumo dizer que é possível fazer nas aulas com ele tudo o que você imaginar ... e muito mais.
 

Isso leva à necessidade de voltar a ver o que já fazemos de forma corriqueira nessa plataforma e pensar se não podemos melhorar, mudando e experimentando com coisas como a apresentação dos conteúdos, e completando as informações, propondo novas práticas mais ativas, em fim, pensando em como melhorar, porque sempre é possível melhorar ou mudar e testar novas possibilidades. Dar um novo sentido didático, promovendo uma flexibilidade maior e com uma compreensão de que os alunos, nesta situação pandêmica e pós-pandêmica podem ter dificuldades que antes não eram imaginadas ou ficar no meio de situações inesperadas e que podem mudar de um dia para outro.

Concordo com as colocações de Jubany e Martínez Samper (2020), quando afirmam que o impacto da pandemia pode ser diferente nos países, e quem sem dúvida acrescenta mais um grau de complexidade na educação superior que já enfrentava desafios ainda não resolvidos. Em nosso caso podemos pensar, sem ir muito longe nos problemas da financiamento das universidades públicas pelo descaso com a educação no Brasil.

Ainda assim, as universidades não param neste contexto pandêmico. O vemos todos os dias nos webinários que estão sendo produzidos por especialistas através de diversos canais que geralmente desembocam no Youtube, com a vantagem que são de acesso aberto e com a possibilidade de ser consultados a qualquer momento. 


Como é de imaginar, pela pandemia aumentou significativamente nos últimos tempos no Brasil a busca no Google pelo termo webinar. Similar tendência acontece no mundo todo.


Fonte: Google Trends. Ocorrência de pesquisas no Google pelos termos webinar, webinário e webconferência entre 9 de junho de 2019 e 9 de junho de 2020 no Brasil.


Jubany e Martínez Samper (2020) também relatam os diversos webinários abertos a docentes de qualquer perfil que a Universitat  Oberta  de  Catalunya (UOC) colocou em marcha a partir do dia 6 de abril no programa “Docência não presencial de emergência".  Um dia depois dessa data a nossa universidade abriu o Programa UFAL Conectada com um webinar dos professores Dênia Falcão e José Moran. 

Primeira webconferência, 7 de abril de 2020. https://www.youtube.com/watch?v=-yB0R9XJQzs

São numerosas as iniciativas já realizadas e planejadas pelo Movimento UFAL Conectada, como é possível constatar no site integrador dessas ações. 

Estas ações estão na mesma linha das recomendações da UNESCO para as instituições (PEDRÓ; QUINTEIRO; RAMOS; MANEIRO, 2020)

- Antecipar uma suspensão de longo prazo, concentrando esforços para garantir a continuidade do treinamento e garantir a equidade, gerando mecanismos eficientes de governança, monitoramento e suporte;
- Elaborar medidas pedagógicas para avaliar formativamente e gerar mecanismos de apoio à aprendizagem de alunos desfavorecidos;
- Documentar as mudanças pedagógicas introduzidas e seus impactos;
- Aprender com os erros e aumentar a digitalização, a hibridação e a aprendizagem ubíqua; e
- Promover a reflexão interna sobre a renovação do modelo de ensino e aprendizagem.


Mais tarde veremos os resultados.

Referências  

CIEB. Design da Educação Conectada. Metodologia para resolução de problemas na implementação do plano de tecnologia educacional. Centro de Inovação para a Educação Brasileira, 2019.  https://cieb.net.br/wp-content/uploads/2019/06/Design-Educacao-Conectada-horizontal_vers%C3%A3o_site_junho_2019.pdf

DE LUCA, Marina Patricia. Las aulas virtuales en la formación docente como estrategia de continuidad pedagógica en tiempos de pandemia. Usos y paradojas. Análisis Carolina. Serie: Formación Virtual, 33/2020, Junio 2020. https://doi.org/10.33960/AC_33.2020

JUBANY, Gemma Xarles I; MARTÍNEZ SAMPER, Pastora.  Docencia no presencial de emergencia: un programa de ayuda de emergencia en el ámbito de la educación superior en tiempos de la COVID-19. Análisis Carolina 32/2020, Junio 2020. https://doi.org/10.33960/AC_32.2020

PEDRÓ, Fransesc; QUINTEIRO,José Antonio; RAMOS, Débora; MANEIRO,Sara. COVID-19 y educación superior: De los efectos inmediatos al día después. Análisis de impactos, respuestas políticas y    recomendaciones, Caracas: IESALC/UNESCO, 13 de mayo de 2020. http://www.iesalc.unesco.org/wp-content/uploads/2020/04/COVID-19-060420-ES-2.pdf

UFAL. Lançado Programa "Ufal Conectada: inspirando inovação”, Universidade Federal de Alagoas, 8 de abril de 2020. https://ufal.br/transparencia/noticias/2020/04/lancada-201cufal-conectada-inspirando-inovacao201d


UFAL. Proford. UFAL Conectada. site integrador.  https://www.ufalconectada.com

VAN VALKENBURG, W.F.; DIJKSTRA, W.P.; DE LOS ARCOS, B.; GOEMAN, Katie; VAN ROMPAEY,  Veerle. European Maturity model for Blended Education (EMBED 2017-2020). EMBED Project, May 2020.  https://embed.eadtu.eu/download/2470/

7 comentários:

Amauri Barros disse...

Parabéns Professor Gonzalo, você é um grande exemplo de Profissionale ser humano. Sua competência, dedicação, entusiasmo e tantas outras qualidades nos inspiram a fazer mais e melhor a cada dia. Obrigado por tudo

Gonzalo Abio disse...

Obrigado, professor Amauri.

Gonzalo Abio disse...

Um texto bastante útil que convido que vejam e analisem:
FGV Direito SP. Ensino Participativo Online: recomendações para o contexto atual, 2o semestre de 2020. https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/fgvcepi_rec_ensinopartionline.pdf

Gonzalo Abio disse...

Duas recomendações de publicações especiais:

1- Suplemento especial da revista Educare sobre COVID-19: https://www.revistas.una.ac.cr/index.php/EDUCARE/issue/view/1229

2- Muitos textos interessantes em relação com a COVID-19 no último número especial da Revista Española de Comunicación en Salud RECS, suplemento 1, 2020).
https://e-revistas.uc3m.es/index.php/RECS/issue/view/613

Gonzalo Abio disse...

Como acelerar as mudanças na Educação é um texto do professor Moran publicado ontem (30-09-2020) no site do Geekie.
O Geekie, para quem não conheça, é uma plataforma e sistema de ensino adaptativo que começou poucos anos atrás oferecendo testes como treinamento e prática para o ENEM.
A mensagem principal do professor Moran no texto é que "está claro que os modelos ativos flexíveis e híbridos serão preponderantes daqui em diante". Confiram em: https://site.geekie.com.br/blog/como-acelerar-mudancas-na-educacao-por-jose-moran

Gonzalo Abio disse...

MENEZES, Vera. #ENSINOPANDÊMICO (uma reflexão ou dica por dia). Parábola Editorial, 2020. https://www.dropbox.com/s/5ksemble8c5380r/Ebookensinopandemico.pdf

Gonzalo Abio disse...

Como sempre, a prezada professora Ana Elisa Ribeira nos deleita com um excelente texto, e recomendo muito sua leitura: RIBEIRO, Ana Elisa. Educação e tecnologias digitais na pandemia: ciclos da precariedade. Cadernos de Linguística, v. 2, n. 1, p. 01-16, 28 jan. 2021. https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/270