27 de jul. de 2022

O maldito 40% da EaD nos cursos presenciais nas IFES

Recentemente participei como aluno em um curso para os docentes da minha instituição, com o intuito de conhecer melhor a Portaria 2.117/2019  que dispõe sobre a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância - EaD em cursos de graduação presenciais ofertados por Instituições de Educação Superior - IES pertencentes ao Sistema Federal de Ensino.

Como tenho interesse nesse tema que, dito seja de passo, está efervescendo na minha instituição neste momento, decidi participar e ver os diversos pontos de vista dos alunos e da professora, todos colegas da mesma universidade. 

O curso, chamado METODOLOGIAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE UM PERCENTUAL DE ATIVIDADES NA MODALIDADE EAD EM CURSOS PRESENCIAIS, foi muito bem ministrado pela professora Lana.

Na primeira aula tivemos um histórico da EaD e das diferentes Portarias do MEC sobre esse tema:
 


Podemos ver que há mais de uma década já existiam esforços para incentivar e regulamentar a incorporação de alguma carga horária nos cursos e disciplinas presenciais. Não é recente.  Depois do 20% veio o 40% de possibilidades de aproveitamento, mas essa incorporação não é obrigatória. Desde que bem delimitada no PPC do curso pode ser em qualquer proporção até esse limite e sem contar as disciplinas práticas.

A primeira tarefa para os alunos do curso foi esta que aparece acompanhada de uma imagem:


Bom, aqui está a minha resposta, na qual acrescentei agora para este post alguns elementos adicionais:


A imagem realmente é bem instigante. Ela me fez lembrar, logo de início, uma live da professora Ana Elisa Ribeiro nos primeiros momentos da pandemia (RIBEIRO, 2020) que depois foi publicada em forma de artigo (RIBEIRO, 2021).

Nessa apresentação da professora Ribeiro, alêm de chamar a atenção para as carências estruturais nas escolas da educação básica, também apresentou como exemplo a foto de um menino de Recife que, sem acesso a dispositivos digitais e internet, recorre a uma loja de telefonia móvel de um importante shopping da capital pernambucana para realizar suas atividades de pesquisa, fato que foi bastante noticiado.

Indo para a pergunta principal, ainda ecoam as palavras da professora Ribeiro, pois no uso de tecnologias na educação, a integração e equilíbrio entre os diversos fatores humanos e tecnológicos é fundamental. Se faltar um elemento, o processo fica manco e não funcionará.

É por isso que resalto a necesidade de uma infraestrutura tecnológica necessária para o desenvolvimento das atividades.

Isso é mostrado de forma mais visual, por exemplo, no modelo Four in Balance, desenvolvido em 2001 pela Fundação TIC para a  Escola,  da  Holanda,  atualmente  conhecida como Fundação Kennisnet.

Esse modelo possui dois elementos (os humanos e os tecnológicos), sendo que o elemento humano é constituído por dois eixos -visão e competência-; e o elemento tecnológico, pelos eixos conteúdos e recursos digitais, e infraestrutura.

Modelo Four in Balance da Kennisnet (ALMEIDA, VALENTE, 2016, p. 31).

Os quatro eixos mencionados no modelo devem ser alcançados em uma perspectiva de equilíbrio entre eles e perpassados transversalmente por um eixo constituído por currículo, avaliação e pesquisa, como podemos ver na representação seguinte, tomada do mesmo documento (p. 35):

 

 

Em relação com a EaD no contexto da UFAL, sem ignorar as outras três dimensões do modelo, julgo essencial que a infraestrutura dos polos da EaD seja mantida totalmente operativa, com computadores atualizados funcionando e com acesso à Internet de qualidade. Não se trata apenas de garantir uma conectividade e redes wifi. É importante que os computadores funcionem decentemente, pois um acesso através de um celular smartphone pode facilitar a conexão e o consumo de informações para o estudo básico do aluno, mas não ajuda muito para a produção de textos acadêmicos, pesquisa multidocumentos e produtos mais complexos, para o qual os computadores tornam-se essenciais.

Dessa forma, chamo a atenção para os polos, mas também as bibliotecas nos diversos campis, como locais privilegiados que são para o para estudo e busqueda de referências e informações, que devem ser plenamento atendidos para facilitar as atividades acadêmicas.     

Só dessa forma, com acesso garantido, é que poderemos dar resposta à possibilidade de ensaiar o oferecimento de algumas disciplinas na modalidade EaD.

Agora bem, a dimensão atitudinal, como aparece no modelo PEAT (DICTE, 2019) e em muitos outros modelos, também considero que não pode ser ignorada.


O nome do modelo PEAT (DICTE, 2019), provêm das dimensões incluídas nele: Pedagógica, Ética, Atitudinal e Técnica (PEAT).  

A dimensão atitudinal inclui a capacidade de adotar e adaptar novas tecnologias em um contexto profissional, para poder usar de forma criativa as tecnologias digitais como apoio a processos de ensino e aprendizagem ou em contexto profissional, além de formar uma profunda compreensão do papel das tecnologias digitais na sociedade (DICTE, 2019 apud ABIO, 2021), mas isso só será possível com uma atitude positiva e abertura para compreender melhor as tecnologias e suas potencialidades percebidas ou affordances, ou seja, o que entendemos que podemos fazer com elas, que é um construto subjetivo e variável. 

Pelo que consigo ver nos últimos tempos, a dimensão atitudinal é geralmente ignorada nas discusões ou manifestações de alguns grupos da nossa universidade que habitualmente derivam de forma pouco produtiva em um “todo ou nada” mas, como vamos os docentes imaginar que podemos mudar as nossas práticas para melhor, e ajudar nossos alunos se não tentamos fazer um esforço nesse sentido, ver outros exemplos, intervençoes razonadas dos outros que não pensam igual, fazer pequenas intervenções em nossas práticas, discutir os resultados, sejam positivos ou negativos e ver como reduzir as dificuldades encontradas? 

Por isso é que considero essa dimensão também muito importante de ser levada em consideração.

Sem deixar de ignorar as diferenças de opiniões, não acho que seja  a melhor das atitudes tentar anular tudo e ficar só na resistência fazendo esforços para que todos os docentes de todas as áreas pensem da mesma forma. A universidade é uma instituição complexa e em nosso caso temos quase 1800 docentes das mais diversas áreas, cada uma com uma cultura de ensino e aprendizagem diferente.

Claro que devemos lutar contra a precarização do trabalho docente, mas também devemos pensar em como aproveitar da forma melhor possível as oportunidades que tenhamos diante. 

Alguns cursos podem utilizar muito bem a modalidade a distância. Agora bem, muita atenção. Vale resaltar que a inclusão de alguma carga horária nessa modalidade implica que o curso será avaliado seguindo os parâmetros para essa modalidade. Existem as condições necessárias? 

Um tema complexo como este precisa ir com muita cautela, mas deve ser  discutido desde distintas vertentes. É necessário ouvir os especialistas, deixar espaços para a introdução de pequenas mudanças e a experimentação pedagógica constante, sem deixar de lutar por melhores condições e as ajudas e apoio que seja necessário. É necessário também pensar de forma serena e informada sobre o conjunto de fatores incidentes. Como recomendo para muitos, uma análise SWOT deve ajudar e não apenas um posicionamento com viés ideológico e ferrenho.

Para saber mais, considero que alguns materiais podem ser úteis como fonte de informação e reflexão metodológica. Por exemplo,  Modelski e Giraffa (2022), Motta (2021) e Pimentel e Carvalho (2020).  

Adicionalmente, alguns textos como o artigo de Lima e Cruz (2022) e o livro de Santos, Lima e Nogueira (2021) podem ajudar para ter outras opiniões sobre o processo de institucionalização da EaD. Em fim, temos que estudar e pensar bem. 

Não precisamos ser especialistas, mas todos somos professores universitários e dessa forma devemos ficar bem informados, pois vejo demasiado achismo nas discussões em alguns setores. Por exemplo, continuamos ouvindo opiniões que misturam ensino remoto com educação a distância como sendo a mesma coisa. 

Antes de finalizar, gostaria de fazer menção de um documento recente da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que pode apoiar as discussões sobre a provocação lançada nesta primeira atividade. Trata-se do relatório Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU. Pela importãncia desse texto e como não tem ainda tradução para o português, fiz uma tradução da seção de Conclusões e recomendações que é possível ver em Abio (2022).

Por último, quero dizer que considerei muito conveniente esta oportunidade formativa, pois foi um momento em que pudemos nos reunir para entender e saber mais, de forma colaborativa, sobre esse complexo tema. Uma pena que poucos docentes participaram nele.

 
Referências

ABIO, Gonzalo. Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação: Um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Blog de Gonzalo Abio - Educação, 8 de jul. de 2022.  

ABIO, Gonzalo. Modelos de Competência Digital Docente. Parte II. Blog de Gonzalo Abio - Educação, 03 de out. de 2021.

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de; VALENTE, José Armando.  Políticas de Tecnologia na educação Brasileira. Histórico, lições aprendidas e recomendações. CIEB Estudos #4, 2016. 

DICTE. Pedagogical, Ethical, Attitudinal and Technical dimensions of Digital Competence in Teacher Education. Developing ICT in Teacher Education Erasmus+ project, 2019. 

LIMA, D. C.B. P.; CRUZ, J. R. Institucionalização da educação a distância no Brasil: desafios e possibilidades. Video Journal of Social and Human Research, v. 1, n. 1, p. 49-57, 2022. 

MODELSKI, Daiane; GIRAFFA, Lucia. Espaço de experimentação para a formação docente. Ponta Grossa, PR: Editora Texto e Contexto, 2022.

MOTTA, Luis Carlos Peters. Cinco etapas para o planejamento e uso de tecnologias digitais em sala de aula. In: GIRAFFA, Lucia (org.). Recursos digitais na escola: volume 1. Joaçaba: Editora Unoesc, 2021, p. 71-86.

PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe da Silva Ponte de. Princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, 23 de maio de 2020.

RIBEIRO, Ana Elisa. Educação e tecnologias digitais na pandemia: ciclos da precariedade. Cadernos de Linguística, v. 2, n. 1, p. e270, 28 Jan. 2021.  

RIBEIRO, Ana Elisa. EDUCAÇÃO e tecnologias digitais: ciclos da precariedade diante da pandemia.  1 vídeo (1h 33min 25seg). Transmitido ao vivo em 25 de jun. de 2020 pelo canal da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), 2020.  

SANTOS, Catarina de Almeida; LIMA, Daniela da Costa Britto Pereira; NOGUEIRA, Danielle Xabregas Pamplona (eds.).  Institucionalização da educação superior a distância nas universidades federais da região Centro-Oeste: Temáticas em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2021.  

SANTOS, Vera Lucia Pontes dos et al. Reflexões sobre a Formação Docente Universitária frente ao cenário da pandemia da COVID-19. In: NASCIMENTO, E. M.; ABIO, G.; LIMA, R.M. da S.; SANTOS, V.L.P. dos (orgs.). Educação mediada por tecnologias: experiências de ensino, pesquisa e extensão em tempos de covid-19 na Universidade Federal de Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2021, p. 20-30.

 

Um comentário:

Gonzalo Abio disse...

Um exemplo da posição oposta é este recente texto da associação de docentes da minha universidade: "NOTA PÚBLICA: Novas tecnologias x Precarização do Trabalho Docente" http://adufal.org.br/Conteudo/31223