Koumbou Boly Barry. fonte: ONU/Jean-Marc Ferré
O relatório Repercussões da digitalização da educação sobre o direito à educação, apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU pela Relatora Especial Koumbou Boly Barry, aborda os riscos e oportunidades da digitalização da educação e suas repercussões no direito à educação.
A Relatora Especial solicita que os debates sobre a implementação das tecnologias digitais na educação sejam realizados em torno do direito de cada pessoa a uma educação pública, gratuita e de qualidade e os compromissos dos Estados a esse respeito, em virtude do direito internacional dos direitos humanos e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 4.
Especificamente, a implementação do direito à educação deve responder às necessidades de todas as pessoas de acessar, dominar e usar a tecnologia como ferramenta de empoderamento para serem membros ativos da sociedade.
A digitalização da educação deve ser orientada para uma melhor implementação do direito à educação para todos, onde se mostra um valor acrescentado considerável. Nesse sentido, é importante entender a agenda lucrativa dos lobistas e empresas de tecnologia digital.
Por outro lado, a digitalização da educação não deve aumentar as desigualdades e apenas beneficiar os segmentos sociais já privilegiados, nem dar origem a violações de outros direitos humanos no campo da educação, especificamente o direito à privacidade.
Pela importância e para efeitos de divulgação vou traduzir aqui de forma não oficial - a partir dos documentos originais em inglês e em espanhol- a parte final do documento.
Conclusões e Recomendações:
A implementação de tecnologias digitais deve ser acompanhada por uma reflexão ético-pedagógica prévia que ajude a compreender e situar adequadamente suas repercussões na educação na perspectiva do pleno desenvolvimento da personalidade humana. As soluções digitais devem ser cuidadosamente examinadas em termos de sua qualidade, sua relevância e suas consequências para a educação nos diferentes contextos locais específicos, com particular ênfase em grupos populacionais já marginalizados, e em termos de sua contribuição para a paz, equidade, inclusão e desenvolvimento sustentável. Portanto, o debate não é simplesmente sobre a adoção ou não das tecnologias, mas sobre quando, como e em que medida, tendo em conta as consequências positivas e negativas e seu impacto sobre os direitos humanos. O interesse superior dos alunos deve ser sempre uma consideração primária.
A Relatora Especial recomenda que os Estados e outras partes interessadas, incluindo indústrias de tecnologia e instituições educacionais privadas, usem uma abordagem com foco no direito à educação. Deveriam levar plenamente em consideração o quadro jurídico dos direitos humanos e integrá-lo em seus planos de educação digital.
Isso requer, em particular:
a) Adotar e usar a tecnologia digital de forma criteriosa, com foco no aluno e idade apropriada para melhorar a disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade da educação para todos;
b) Adotar ou melhorar a educação digital para todos, tendo em conta a necessidade de todas as pessoas para acessar, dominar e usar a tecnologia como ferramenta de capacitação para ser membros ativos da sociedade, especialmente nos contextos de atividades profissionais, participação política e cívica, a busca, o uso e a produção de informação adequada, a participação na vida cultural e estabelecer relações com os outros. Neste âmbito a autonomia digital deve ser incluída como objetivo;
c) Respeitar plenamente os direitos à não discriminação e à igualdade, bem como outros direitos humanos, como o direito à liberdade de opinião e expressão, o direito à informação, as liberdades acadêmicas, o direito à privacidade e o direito à saúde. Esta medida implica uma atenção permanente às pessoas mais marginalizadas;
d) Respeitar plenamente a dimensão cultural do direito à educação, o que significa que a educação digital deve ser implementada com pleno respeito aos direitos culturais das pessoas, de acordo com suas aspirações, necessidades, recursos e capacidades. Os idiomas locais devem ser integrados aos processos de digitalização. Alunos e educadores, bem como famílias, comunidades e povos indígenas, devem ser empoderados para participar plenamente na tomada de decisões sobre tecnologias digitais e seu uso;
e) Proteger os alunos no ambiente online de bullying e outros ataques semelhantes;
f) Que o Estado regule e controle o uso da tecnologia na educação através do estabelecimento de padrões e critérios, cumprimento de normas de direitos humanos e garantia de conteúdo de alta qualidade, relevante e pluralista, bem como garantias adequadas;
g) Que a educação digital nunca substitua a educação presencial e que não sejam adotadas medidas regressivas injustificáveis que afetem o direito à educação.
Os Estados e outras partes interessadas devem prestar atenção especial ao risco de aumentar as desigualdades no acesso à educação pública, gratuita e de qualidade. A Relatora Especial recomenda, em particular, que os Estados e outras partes interessadas:
a) Adotem uma abordagem interseccional que leve em consideração gênero, etnia, religião, idioma, deficiência, situação econômica e se a pessoa mora em uma área rural ou urbana, bem como muitos outros fatores que podem afetar a maneira como alunos e professores experimentam a digitalização e, portanto, as muitas maneiras pelas quais a tecnologia pode ampliar, em vez de reduzir, as desigualdades;
b) Reduzir a exclusão digital, bem como os impedimentos de acesso às tecnologias essenciais, como falta de eletricidade ou conexões adequadas para Internet, para estudantes, famílias e comunidades;
c) Abster-se de impor interrupções do serviço de Internet nos territórios sob sua jurisdição;
d) Assegurar que a implementação das tecnologias digitais não introduza custos ocultos para a educação, colocando em risco o direito à educação no ensino fundamental e médio gratuito, bem como a realização progressiva do ensino superior gratuito;
e) Resolver as desigualdades por meio de um modelo holístico que promova a alfabetização tecnológica além das instituições educacionais para incluir famílias e comunidades;
f) Garantir ou exigir que as tecnologias para fins educacionais sejam inclusivas em seu design, também para alunos com deficiência.
Os Estados e outras partes interessadas devem garantir que a pedagogia esteja na vanguarda das decisões sobre o uso de tecnologias digitais na educação e que a relação entre professores e alunos continue sendo um importante recurso pedagógico que não seja marginalizado. Devem também:
a) Garantir as liberdades acadêmicas, também na educação digital, de educadores e alunos, para envolver ambos tanto nos processos de tomada de decisão relacionada à educação digital e garantir que eles possam participar criativamente na implementação e desenho de soluções digitais;
b) Oferecer formação digital aos professores e reforçar as suas competências e autonomia digital (também no ensino a distância), oferecendo-lhes os meios para manter, dominar e configurar a tecnologia do seu jeito, entre outras coisas para preparar e utilizar conteúdos digitais articulados com as aspirações e necessidades das comunidades locais. Essa capacitação também deve permitir aos professores dominarem as ferramentas e programas digitais desenvolvidos para crianças e jovens com deficiência;
c) Garantir que os algoritmos não substituam as decisões dos alunos sobre o que e como estudar e como orientar suas carreiras.
Os Estados e outras partes interessadas devem levar em consideração o risco de maior privatização de sistemas e instituições educacionais por meio de processos de digitalização. O Relator Especial recomenda:
a) Pleno cumprimento dos Princípios de Abidjan, nomeadamente a adoção de normas e regulamentos para o setor privado nesta área, e dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos;
b) Um esforço coordenado para garantir que a educação seja adequadamente financiada e que os orçamentos nacionais e internacionais sejam protegidos para garantir o direito a uma educação pública gratuita e de qualidade.
Os Estados e outras partes interessadas devem abordar o risco de aumento da atividade de vigilância e mineração de dados em relação a estudantes, famílias e comunidades, bem como educadores e outros profissionais nos contextos educacionais. Nesse sentido:
a) Devem ser adotadas ou aplicadas em todos os momentos leis de privacidade e proteção de dados específicas para crianças que protejam seus interesses em ambientes online complexos. As leis de privacidade e proteção de dados também devem proteger os adultos em qualquer ambiente educacional, inclusive online;
b) Antes de implementar tecnologias digitais na educação, devem ser realizadas avaliações de impacto nos direitos da criança e auditorias de privacidade de dados. Devem ser definidas as categorias de dados pessoais sensíveis que nunca devem ser recolhidos nas escolas, em particular de crianças. Todos os serviços contratados para fornecer educação online devem ser seguros para crianças;
c) Os Estados devem atuar com a devida diligência para garantir que a tecnologia que eles recomendam para o aprendizado online garanta os direitos da privacidade e proteção de dados de crianças e orientar os centros educacionais a incluir cláusulas de privacidade de dados nos contratos firmados com provedores privados;
d) A publicidade comercial destinada a estudantes deve ser proibida em todos os ambientes educacionais em todos os níveis, sejam eles privados ou públicos, especialmente por meio de conteúdos e programas digitais. Nenhum dado coletado no sistema educacional deve ser usado para fins comerciais, e os interesses comerciais não devem ser considerados motivos legítimos para o processamento de dados que deixe de efetivar o direito à educação ou outros direitos humanos;
e) Os Estados devem investir em plataformas e infraestruturas digitais públicas gratuitas para a educação, conceder financiamento suficiente para instituições públicas para desenvolver soluções e ferramentas digitais alternativas e gratuitas que não impliquem um mercado de dados pessoais e apoiar o desenvolvimento de ferramentas, plataformas e serviços de dados não proprietários baseados em valores de abertura, transparência e gestão comum (em vez de propriedade individual) de dados. Devem privilegiar a produção e utilização de conteúdos sob a forma de recursos educativos abertos e prestar um serviço de orientação profissional sistemático e pessoal aos usuários;
f) Os Estados e outras partes interessadas não devem permitir a vigilância de alunos, famílias e comunidades por meio de programas digitais.
Mais pesquisas são necessárias para entender o impacto da tecnologia digital na saúde de crianças e jovens no contexto de Educação. As partes interessadas devem garantir que a educação digital adequada à idade e orientada para o desenvolvimento inclua a prevenção do uso problemático de tela e vícios digitais e desenvolva a capacidade dos alunos para aprender a diferença entre usos saudáveis e prejudiciais da tecnologia digital.
Fontes utilizadas:
Repercusiones de la digitalización de la educación en el derecho a la educación
Impact of the digitalization of education on the right to education
Um comentário:
LIMA, D. C.B. P.; CRUZ, J. R. Institucionalização da educação a distância no Brasil: desafios e possibilidades. Video Journal of Social and Human Research, v. 1, n. 1, p. 49-57, 2022. https://vjshr.uabpt.uema.br/index.php/vjshr/article/download/15/33
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