22 de ago. de 2025

Ferramentas com IA para revisão de literatura

 


Em um capítulo de um interessante livro publicado hoje, Stremel (2025), com base em vários autores (Bolaños et al., 2024; Foley et al., 2025; Santana; Souza; Viana, 2024), apresenta nove ferramentas baseadas em IA que podem ser úteis para a revisão de literatura:

a) Ferramentas para busca de literatura científica

Semantic Scholar: é uma plataforma gratuita de busca de literatura científica que localiza artigos semanticamente semelhantes. O pesquisador insere o termo da busca e a plataforma gera uma lista de artigos cujos metadados podem ser explorados (dados da publicação, autores, resumo, acesso via editor), dentre outras funcionalidades como citações e artigos relacionados.
https://www.semanticscholar.org/

b) Ferramentas baseadas no mapeamento de citações

Litmaps: com algumas funcionalidades gratuitas, é uma plataforma que utiliza a rede de citações para encontrar e recomendar artigos. A partir de um artigo, a ferramenta gera um mapa de artigos mais relevantes que estão relacionados a ele. O mapa pode ser navegado observando os artigos mais citados, os mais recentes e as vinculações entre eles por meio das citações.
https://www.litmaps.com/

Connected Papers: a ferramenta usa gráficos visuais para mostrar estudos relevantes por meio da rede de citações. Para uso gratuito, há um limite de geração de gráficos mensalmente. O mapa gerado permite observar as conexões entre os artigos, os artigos mais citados e o período de publicação. Além disso, oferece um conjunto de funcionalidades que permite usar filtros, observar os metadados dos artigos, identificar quais são os artigos mais frequentemente citados pelos artigos que compõem o gráfico (permitindo observar estudos reconhecidos no campo) e os artigos que mais citaram os artigos do gráfico (permitindo observar trabalhos mais recentes que podem ser relevantes para o campo).
https://www.connectedpapers.com/

Research Rabbit: é uma plataforma gratuita para mapeamento da literatura baseada em rede de citações. A partir da definição de um ou mais artigos, a ferramenta localiza outros artigos semelhantes ao tema de interesse. Funciona como um “Spotify” da literatura (Foley et al., 2025), permitindo criar coleções de pesquisa e explorar as recomendações de trabalhos semelhantes. Além disso, é possível observar metadados das publicações, bem como mapas visuais, gerados pela ferramenta, das conexões entre citações.
https://researchrabbitapp.com/

Inciteful: ferramenta gratuita para apoiar a pesquisa na descoberta de artigos. Apresenta duas opções: discover e literature connects. Na opção discover, a partir da indicação de um artigo sobre o tema de interesse, cria uma rede de artigos semelhantes ao assunto, baseada na rede de citações, apresentando mapa de conexão da literatura. A partir dos resultados, é possível aplicar filtros e adicionar outros artigos de interesse ao gráfico. Além disso, apresenta outras informações, tais como: artigos recentes dos principais autores, instituições, principais periódicos, entre outras. Na opção literature connects, é possível indicar dois artigos e obter as conexões entre eles por meio da literatura.
https://inciteful.xyz/

c) Ferramentas para busca de literatura, síntese de informações e perguntas de pesquisa

Elicit: com algumas funcionalidades gratuitas, é um assistente de pesquisa com IA que, a partir de uma pergunta ou termo de busca, localiza artigos sobre o assunto baseado na similaridade semântica. Os resultados gerados apresentam artigos mais relevantes e a possibilidade de gerar um quadro com uma síntese de informações deles (metodologia, resultados, conclusões, entre outras), cujas colunas são personalizadas pelo pesquisador conforme seu interesse. Há também uma funcionalidade para carregar artigos em PDF e extrair esses mesmos dados. Além disso, a plataforma gera uma resposta resumida à pergunta ou termo de busca com base nas informações dos artigos.
https://elicit.org/

Scite.ai: plataforma com funcionalidades gratuitas limitadas para teste. Por meio de citações inteligentes, que exibem o contexto da citação e descrevem se o artigo fornece evidências que corroboram ou contrastam, permite que os pesquisadores rastreiem a literatura relacionada aos seus interesses. Oferece também o Assistant, que, por meio de perguntas de pesquisa, retorna um resumo conciso da literatura acadêmica recente sobre o tema, sendo possível explorar as fontes incluídas na resposta devolvida.
https://scite.ai/

Consensus.app: com algumas funcionalidades gratuitas, é um mecanismo de busca por meio de perguntas de pesquisa. A ferramenta localiza respostas relevantes em artigos de pesquisa, apresenta um texto síntese como resposta e indica os que serviram de fonte.
https://consensus.app/

ChatPDF: ferramenta com algumas funcionalidades gratuitas que utiliza modelos de IA para extrair informações do conteúdo de arquivos PDF, facilitando a compreensão de artigos ou textos. Gera sínteses do conteúdo e permite interagir em chat sobre o conteúdo dos artigos ou textos.
https://www.chatpdf.com/

Apesar das vantagens do uso de ferramentas de IA na revisão de literatura, algumas desvantagens podem ser destacadas: a) a maioria das ferramentas não é totalmente gratuita, dificultando o acesso a estudantes e pesquisadores; b) as ferramentas têm melhor desempenho e usabilidade em língua inglesa, em detrimento de outros idiomas; c) requerem um conhecimento sobre como funcionam, exigindo do pesquisador uma literacia em IA para compreender seus limites e suas potencialidades, essencial para um uso adequado de forma crítica, reflexiva e responsável.

O uso da IA na pesquisa impacta em questões éticas e de integridade científica (honestidade, precisão, transparência, responsabilidade). Entre as questões éticas levantadas sobre o uso da IA na escrita de trabalhos acadêmicos, podem ser destacadas as seguintes:

a) Responsabilidade de autoria: existe um debate se ferramentas de IA devem ser consideradas autoras, uma vez que não podem responder moral ou legalmente pelo conteúdo gerado.

b) Plágio e integridade acadêmica: o uso de IA pode levantar preocupações quanto a plágio, pois há ferramentas de IA que
agregam e sintetizam conteúdos existentes. Isso pode pôr em xeque a originalidade do trabalho e a responsabilidade dos autores pelo conteúdo criado com o auxílio da IA. 

c) Transparência: a transparência quanto aos métodos e às ferramentas utilizadas é essencial para garantir a integridade e
o rigor da pesquisa. Ao ocultar a utilização de ferramentas de IA, há o risco de comprometer a integridade da pesquisa, pois são omitidos os processos envolvidos na elaboração do trabalho.

Em linhas gerais, o pesquisador necessita:
● especificar quais ferramentas de IA foram utilizadas e como elas foram incorporadas ao relatório de pesquisa;
● indicar como a conferência dos dados obtidos por meio de IA foi realizada;
● indicar o trabalho humano envolvido na pesquisa, uma vez que uma revisão de literatura gerada apenas pelas ferramentas de IA, como já mencionado, resulta em uma revisão de literatura limitada e potencialmente enviesada;
● explicitar se houve a utilização de traduções automáticas feitas pelas ferramentas.
(Stremel, 2025, p. 222-228)*

Referências

BOLAÑOS, F.; SALATINO, A.; OSBORNE, F.; MOTTA, E. Artificial Intelligence for literature reviews: opportunities and challenges. Artificial Intelligence Review, v. 57, p. 1-49, 2024. https://doi.org/10.1007/s10462-024-10902-3

FOLEY, K.; MCLEAN, C.; DE ZYLVA, R.; ASA, G.; MAIO, J.; BATCHELOR, S.; DZANDO, G.; DIMASSI, A. Developing a critical imagination for how researchers can use artificially intelligent tools reflexively and responsibly during qualitative literature reviews. International Journal of Qualitative Methods, v. 24, p. 1-17, 2025. https://doi.org/10.1177/16094069251316249

SANTANA, I. M.; SOUZA, F. N.; VIANA, H. B. Ferramentas de inteligência artificial na revisão de literatura: um estudo com base no tema das falácias lógicas. Revista Tempos e Espaços em Educação, São Cristóvão, v. 17, n. 36, p. 1-16, 2024.  http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v17i36.22252

* STREMEL, Silvana. O uso da Inteligência Artificial na revisão de literatura: questões éticas. In: Jefferson Mainardes; Sônia Aparecida Siquelli (coords.). Ética e pesquisa em educação. Subsídios, v. 4. Rio de Janeiro: ANPEd, 2025, p. 220-232. https://anped.org.br/wp-content/uploads/2025/08/Etica-e-Pesquisa-em-Educacao_v.4_final.pdf

Recomendo ver também outros capítulos dessa obra. 

11 de ago. de 2025

Fatores de integração de tecnologias digitais na educação básica. Um estudo interessante.

Martin, Gezer e Ceviker (2025) realizaram uma revisão sistemática, na qual examinaram 307 artigos sobre fatores que influenciam a integração da tecnologia na escola. A integração da tecnologia pelos professores foi observada através de uma lente multidimensional que incluiu quatro dimensões: escola, aluno, professor e tecnologia. Essas quatro dimensões incluíram 11 fatores e 47 subfatores: fatores relacionados à escola (histórico da escola, cultura, apoio, currículo e ensino); fatores relacionados ao aluno (demografia do aluno, fatores afetivos, cognitivos e comportamentais); fatores relacionados ao professor (histórico do professor, fatores afetivos e cognitivos); e fatores relacionados à tecnologia (facilidade de acesso e uso da tecnologia).

Os resultados foram resumidos nesta imagem: 

 

fonte da imagem: Martin, Gezer e Ceviker (2025, p. 25)

A mesma imagem traduzida:




 

Implicações para a prática

Este esquema pode servir para professores, administradores, formadores de professores e tecnólogos. 

Professores. Os professores podem analisar os vários fatores que são críticos para a integração da tecnologia, tanto em termos de apoio como de obstáculo no seu contexto. Por exemplo, na dimensão dos alunos, ao ensinar alunos mais jovens, os professores podem ser obrigados a utilizar abordagens mais estruturadas e menos dependentes da tecnologia. 

No entanto, a integração da tecnologia é eficaz quando existe alinhamento com os objetivos pedagógicos e quando os alunos estão motivados. A integração da tecnologia também é útil para envolver os alunos por meio da aprendizagem prática com a tecnologia. Na dimensão do professor, os fatores relacionados ao histórico do professor podem informá-lo sobre as características e os conhecimentos necessários para integrar a tecnologia com sucesso.

Os professores podem analisar especificamente as outras variáveis relacionadas ao professor para examinar sua posição em relação às variáveis afetivas e cognitivas relacionadas à integração da tecnologia. Por exemplo, as crenças e percepções do professor, confiança, autoeficácia, motivação, prontidão, entusiasmo pela tecnologia, conhecimento e habilidades, raciocínio pedagógico e alinhamento curricular influenciam a integração da tecnologia. 

Administradores. Os administradores podem oferecer apoio, especialmente em variáveis relacionadas à escola, como apoio, cultura, currículo e ensino. Por exemplo, na dimensão escolar, a infraestrutura e a disponibilidade de recursos da escola, a cultura escolar, a influência dos colegas, o apoio dos colegas e da liderança, a autonomia dos professores e a redução da carga de trabalho são fundamentais para a integração da tecnologia.

No entanto, turmas maiores limitam a integração da tecnologia de forma eficaz. As políticas, por outro lado, tiveram resultados mistos, por isso é importante ter políticas escolares de apoio e não políticas que sejam obstáculos para a integração da tecnologia pelos professores. Eles também podem levar em consideração as variáveis do contexto escolar ao decidir sobre a tecnologia a ser adquirida para suas escolas.

Tecnólogos. Os tecnólogos educacionais ou facilitadores de tecnologia que apoiam os professores podem encontrar maneiras significativas de integrar a tecnologia na sala de aula, usando esses resultados para informar quais fatores apoiam a integração da tecnologia e quais podem ser um desafio. Os tecnólogos podem recomendar tecnologias que sejam fáceis de acessar, fáceis de usar e que evitem lesões, pois as descobertas sugerem que fatores como propriedade da tecnologia, conectividade confiável, tecnologias fáceis de usar e priorização do conforto e da segurança do usuário na dimensão tecnológica são requisitos para que os professores integrem a tecnologia de maneira eficaz. É importante que os tecnólogos selecionem tecnologias que atendam a esses critérios. Além disso, o apoio e o desenvolvimento profissional são essenciais para a integração da tecnologia pelos professores, o que os tecnólogos podem fornecer.

Formadores de professores. Além disso, os formadores de professores podem usar essas descobertas para incluir em cursos de formação de professores em serviço, para que os professores em treinamento possam estar mais bem preparados para integrar a tecnologia na sala de aula. Fatores relacionados às características dos professores e dos alunos sobre quando a integração da tecnologia é eficaz são importantes para os professores em serviço estarem cientes antes de integrar a tecnologia na sala de aula (Martin; Gezer; Ceviker, 2025, p. 26-27).

Referência  

MARTIN, Florence; GEZER, Tuba; CEVIKER, Elife. Exploring multidimensional factors influencing teachers’ technology integration in K–12 education: A systematic review. Journal of Research on Technology in Education, p. 1-35, 2025. https://doi.org/10.1080/15391523.2025.2534951

 


10 de ago. de 2025

Recomendações importantes para o uso da Inteligência Artificial nas universidades

 


Infante-Moro et al. (2025) utilizaram o método Delphi para realizar com quinze professores expertos três rodadas de discussão e refinamento de um questionário até chegar numa lista final de recomendações importantes que devem ser levadas em consideração sobre o uso pedagógico e responsável da Inteligência Artificial nas universidades.

Pela importância da lista e pensando que a minha universidade ainda não tem normas claras sobre este tema, reproduzo aqui a tradução dela, pois pode ajudar e orientar na construção dessas normas, assim como servir de discusão nas diversas unidades respeitando as especificidades de cada curso. 

SEÇÃO 1. Princípios gerais

1. Ética e responsabilidade: Promover o uso ético, legal e transparente das ferramentas de IA, respeitando a privacidade e os direitos autorais.

2. Complementaridade: A IA não substitui o ensino ou o pensamento crítico, mas atua como uma ferramenta de apoio. 

3. Acessibilidade e equidade: Promover o acesso equitativo às ferramentas de IA, evitando a criação de divisões digitais entre os alunos. 

SEÇÃO 2. Papel do professor

4. Instrutor de IA: apresentar aos alunos o uso responsável e crítico de ferramentas como ChatgPT, Copilot, Grammarly, etc. 

5. Guia de aprendizagem: ensinar quando e como usar a IA para aprimorar a aprendizagem sem se tornar dependente.

6. Modelar boas práticas: demonstrar em sala de aula como a IA pode ser usada para pesquisar, organizar ideias, melhorar a redação ou programar, sem substituir o esforço individual. 

SEÇÃO 3. Aplicações pedagógicas recomendadas 

 

No planejamento e na elaboração das aulas:

7. Utilize a IA para gerar ideias de atividades, resumos de textos ou planos de aula. 

8. Solicite apoio para criar bancos de perguntas (após revisão e validação).

Na avaliação: 

9. Introduza ferramentas de IA para auxiliar no feedback formativo. Por exemplo, verificando o estilo ou a consistência. 

10. Avalie tarefas que explorem a interação crítica com a IA. Por exemplo, comparando uma resposta gerada pela IA com uma escrita pelo aluno.

Na sala de aula:

11. Incentive o uso da IA em debates sobre questões atuais, análise de texto, criação de argumentos, etc. Por exemplo, verificando o estilo ou a consistência.

12. Estimule a cocriação entre professor, aluno e IA. 

SEÇÃO 4. Treinamento do aluno

13. Aumentar a conscientização sobre os limites da IA: preconceitos, desinformação, alucinações (erros). 

14. Oferecer treinamento em técnicas eficazes de solicitação e análise crítica de respostas.

15. Promover a autoria pessoal: reforçar a importância do pensamento pessoal, da citação adequada e da reflexão individual.

SEÇÃO 5. Aspectos a evitar

16. Uso cego ou automatizado de respostas geradas por IA sem revisão.

17. Promoção de práticas desonestas: como usar IA para escrever redações, fazer provas ou gerar tarefas sem supervisão.

18. Dependência excessiva da IA no treinamento de professores sem verificar a qualidade do conteúdo.

SEÇÃO 6. Recomendações para avaliação com IA 

19. Incluir tarefas que exijam reflexão pessoal sobre as respostas da IA.

20. Use rubricas que avaliem o processo de pensamento, a justificativa e a revisão crítica.

21. Crie atividades que integrem a IA como um recurso, não como uma solução. 

SEÇÃO 7. IA como competência profissional

22. Integre o uso da IA em contextos da vida real: geração de relatórios, redação de e-mails, design de apresentações, análise de dados, etc.

23. Exponha os alunos às ferramentas usadas no local de trabalho: Copilot, Notion AI ou assistentes em pacotes de escritório.

23. Exponha os alunos a ferramentas utilizadas no local de trabalho: Copilot, Notion AI ou assistentes em pacotes de escritório (Google, Microsoft).

24. Desenvolva atividades que simulem ambientes de trabalho utilizando IA como parte do fluxo de trabalho.

SEÇÃO 8. Recursos e ferramentas sugeridos

25. Sugira recursos e ferramentas de IA adequados com base na tarefa em questão.

SEÇÃO 9. Considerações finais

26. Estabeleça uma política clara sobre o uso da IA desde o início do curso: o que é permitido e o que não é.

27. Inclua uma seção sobre IA nos guias de ensino e nas rubricas de avaliação.

28. Promova uma cultura de inovação responsável: onde alunos e professores aprendem juntos sobre os desafios e oportunidades da IA.

 

Referência

INFANTE-MORO, Alfonso; INFANTE-MORO, Juan Carlos; GALLARDO-PÉREZ, Julia; AL-HAIMI, Basheer.  Criteria related to the pedagogical and responsible use of artificial intelligence in university teaching. Campus Virtuales, v. 14, n. 2, p. 209-219, 2025. http://dx.doi.org/10.54988/cv.2025.2.1743