11 de ago. de 2025

Fatores de integração de tecnologias digitais na educação básica. Um estudo interessante.

Martin, Gezer e Ceviker (2025) realizaram uma revisão sistemática, na qual examinaram 307 artigos sobre fatores que influenciam a integração da tecnologia na escola. A integração da tecnologia pelos professores foi observada através de uma lente multidimensional que incluiu quatro dimensões: escola, aluno, professor e tecnologia. Essas quatro dimensões incluíram 11 fatores e 47 subfatores: fatores relacionados à escola (histórico da escola, cultura, apoio, currículo e ensino); fatores relacionados ao aluno (demografia do aluno, fatores afetivos, cognitivos e comportamentais); fatores relacionados ao professor (histórico do professor, fatores afetivos e cognitivos); e fatores relacionados à tecnologia (facilidade de acesso e uso da tecnologia).

Os resultados foram resumidos nesta imagem: 

 

fonte da imagem: Martin, Gezer e Ceviker (2025, p. 25)

A mesma imagem traduzida:




 

Implicações para a prática

Este esquema pode servir para professores, administradores, formadores de professores e tecnólogos. 

Professores. Os professores podem analisar os vários fatores que são críticos para a integração da tecnologia, tanto em termos de apoio como de obstáculo no seu contexto. Por exemplo, na dimensão dos alunos, ao ensinar alunos mais jovens, os professores podem ser obrigados a utilizar abordagens mais estruturadas e menos dependentes da tecnologia. 

No entanto, a integração da tecnologia é eficaz quando existe alinhamento com os objetivos pedagógicos e quando os alunos estão motivados. A integração da tecnologia também é útil para envolver os alunos por meio da aprendizagem prática com a tecnologia. Na dimensão do professor, os fatores relacionados ao histórico do professor podem informá-lo sobre as características e os conhecimentos necessários para integrar a tecnologia com sucesso.

Os professores podem analisar especificamente as outras variáveis relacionadas ao professor para examinar sua posição em relação às variáveis afetivas e cognitivas relacionadas à integração da tecnologia. Por exemplo, as crenças e percepções do professor, confiança, autoeficácia, motivação, prontidão, entusiasmo pela tecnologia, conhecimento e habilidades, raciocínio pedagógico e alinhamento curricular influenciam a integração da tecnologia. 

Administradores. Os administradores podem oferecer apoio, especialmente em variáveis relacionadas à escola, como apoio, cultura, currículo e ensino. Por exemplo, na dimensão escolar, a infraestrutura e a disponibilidade de recursos da escola, a cultura escolar, a influência dos colegas, o apoio dos colegas e da liderança, a autonomia dos professores e a redução da carga de trabalho são fundamentais para a integração da tecnologia.

No entanto, turmas maiores limitam a integração da tecnologia de forma eficaz. As políticas, por outro lado, tiveram resultados mistos, por isso é importante ter políticas escolares de apoio e não políticas que sejam obstáculos para a integração da tecnologia pelos professores. Eles também podem levar em consideração as variáveis do contexto escolar ao decidir sobre a tecnologia a ser adquirida para suas escolas.

Tecnólogos. Os tecnólogos educacionais ou facilitadores de tecnologia que apoiam os professores podem encontrar maneiras significativas de integrar a tecnologia na sala de aula, usando esses resultados para informar quais fatores apoiam a integração da tecnologia e quais podem ser um desafio. Os tecnólogos podem recomendar tecnologias que sejam fáceis de acessar, fáceis de usar e que evitem lesões, pois as descobertas sugerem que fatores como propriedade da tecnologia, conectividade confiável, tecnologias fáceis de usar e priorização do conforto e da segurança do usuário na dimensão tecnológica são requisitos para que os professores integrem a tecnologia de maneira eficaz. É importante que os tecnólogos selecionem tecnologias que atendam a esses critérios. Além disso, o apoio e o desenvolvimento profissional são essenciais para a integração da tecnologia pelos professores, o que os tecnólogos podem fornecer.

Formadores de professores. Além disso, os formadores de professores podem usar essas descobertas para incluir em cursos de formação de professores em serviço, para que os professores em treinamento possam estar mais bem preparados para integrar a tecnologia na sala de aula. Fatores relacionados às características dos professores e dos alunos sobre quando a integração da tecnologia é eficaz são importantes para os professores em serviço estarem cientes antes de integrar a tecnologia na sala de aula (Martin; Gezer; Ceviker, 2025, p. 26-27).

Referência  

MARTIN, Florence; GEZER, Tuba; CEVIKER, Elife. Exploring multidimensional factors influencing teachers’ technology integration in K–12 education: A systematic review. Journal of Research on Technology in Education, p. 1-35, 2025. https://doi.org/10.1080/15391523.2025.2534951

 


10 de ago. de 2025

Recomendações importantes para o uso da Inteligência Artificial nas universidades

 


Infante-Moro et al. (2025) utilizaram o método Delphi para realizar com quinze professores expertos três rodadas de discussão e refinamento de um questionário até chegar numa lista final de recomendações importantes que devem ser levadas em consideração sobre o uso pedagógico e responsável da Inteligência Artificial nas universidades.

Pela importância da lista e pensando que a minha universidade ainda não tem normas claras sobre este tema, reproduzo aqui a tradução dela, pois pode ajudar e orientar na construção dessas normas, assim como servir de discusão nas diversas unidades respeitando as especificidades de cada curso. 

SEÇÃO 1. Princípios gerais

1. Ética e responsabilidade: Promover o uso ético, legal e transparente das ferramentas de IA, respeitando a privacidade e os direitos autorais.

2. Complementaridade: A IA não substitui o ensino ou o pensamento crítico, mas atua como uma ferramenta de apoio. 

3. Acessibilidade e equidade: Promover o acesso equitativo às ferramentas de IA, evitando a criação de divisões digitais entre os alunos. 

SEÇÃO 2. Papel do professor

4. Instrutor de IA: apresentar aos alunos o uso responsável e crítico de ferramentas como ChatgPT, Copilot, Grammarly, etc. 

5. Guia de aprendizagem: ensinar quando e como usar a IA para aprimorar a aprendizagem sem se tornar dependente.

6. Modelar boas práticas: demonstrar em sala de aula como a IA pode ser usada para pesquisar, organizar ideias, melhorar a redação ou programar, sem substituir o esforço individual. 

SEÇÃO 3. Aplicações pedagógicas recomendadas 

 

No planejamento e na elaboração das aulas:

7. Utilize a IA para gerar ideias de atividades, resumos de textos ou planos de aula. 

8. Solicite apoio para criar bancos de perguntas (após revisão e validação).

Na avaliação: 

9. Introduza ferramentas de IA para auxiliar no feedback formativo. Por exemplo, verificando o estilo ou a consistência. 

10. Avalie tarefas que explorem a interação crítica com a IA. Por exemplo, comparando uma resposta gerada pela IA com uma escrita pelo aluno.

Na sala de aula:

11. Incentive o uso da IA em debates sobre questões atuais, análise de texto, criação de argumentos, etc. Por exemplo, verificando o estilo ou a consistência.

12. Estimule a cocriação entre professor, aluno e IA. Estimule a cocriação entre professor, aluno e IA. 

SEÇÃO 4. Treinamento do aluno

13. Aumentar a conscientização sobre os limites da IA: preconceitos, desinformação, alucinações (erros). 

14. Oferecer treinamento em técnicas eficazes de solicitação e análise crítica de respostas.

15. Promover a autoria pessoal: reforçar a importância do pensamento pessoal, da citação adequada e da reflexão individual.

SEÇÃO 5. Aspectos a evitar

16. Uso cego ou automatizado de respostas geradas por IA sem revisão.

17. Promoção de práticas desonestas: como usar IA para escrever redações, fazer provas ou gerar tarefas sem supervisão.

18. Dependência excessiva da IA no treinamento de professores sem verificar a qualidade do conteúdo.

SEÇÃO 6. Recomendações para avaliação com IA 

19. Incluir tarefas que exijam reflexão pessoal sobre as respostas da IA.

20. Use rubricas que avaliem o processo de pensamento, a justificativa e a revisão crítica.

21. Crie atividades que integrem a IA como um recurso, não como uma solução. 

SEÇÃO 7. IA como competência profissional

22. Integre o uso da IA em contextos da vida real: geração de relatórios, redação de e-mails, design de apresentações, análise de dados, etc.

23. Exponha os alunos às ferramentas usadas no local de trabalho: Copilot, Notion AI ou assistentes em pacotes de escritório.

23. Exponha os alunos a ferramentas utilizadas no local de trabalho: Copilot, Notion AI ou assistentes em pacotes de escritório (Google, Microsoft).

24. Desenvolva atividades que simulem ambientes de trabalho utilizando IA como parte do fluxo de trabalho.

SEÇÃO 8. Recursos e ferramentas sugeridos

25. Sugira recursos e ferramentas de IA adequados com base na tarefa em questão.

SEÇÃO 9. Considerações finais

26. Estabeleça uma política clara sobre o uso da IA desde o início do curso: o que é permitido e o que não é.

27. Inclua uma seção sobre IA nos guias de ensino e nas rubricas de avaliação.

28. Promova uma cultura de inovação responsável: onde alunos e professores aprendem juntos sobre os desafios e oportunidades da IA.

 

Referência

INFANTE-MORO, Alfonso; INFANTE-MORO, Juan Carlos; GALLARDO-PÉREZ, Julia; AL-HAIMI, Basheer.  Criteria related to the pedagogical and responsible use of artificial intelligence in university teaching. Campus Virtuales, v. 14, n. 2, p. 209-219, 2025. http://dx.doi.org/10.54988/cv.2025.2.1743

 

22 de mai. de 2025

Usos da Inteligência Artificial generativa na docência. Um esquema-base.


Este esquema foi elaborado a partir da segunda metade de 2024 para introduzir o tema com alunos ou para eventos formativos com docentes. 

Os usos da IA generativa na educação é um campo muito dinâmico, com mudanças constantes. Por isso não gosto de pensar em propostas fechadas. 

Sintam-se à vontade para perguntar, opinar, alterar ou sugerir mudanças e melhorias, pois uma proposta como essa pode ser tomada da forma como está ou adaptada para os objetivos de cada um.

Leituras complementares

CASSANY, Daniel. (Enseñar a) leer y escribir con inteligencias artificiales generativas: reflexiones, oportunidades y retos. Enunciación, v. 29, n. 2, p. 320-336, 2024. https://doi.org/10.14483/22486798.22891 

PATTIER, Daniel; REDONDO-DUARTE, Sara. La vida online, la inteligencia artificial y su lectura pedagógica. Márgenes. Revista de Educación de la Universidad de Málaga, v. 6, n. 1, p. 28-45, 2025. https://doi.org/10.24310/mar.6.1.2025.20784
Contém uma lista de usos da IA na educação (em espanhol)

CHALLCO, Geiser Chalco; CRUZ, Wilmax Marreiro; ISOTANI, Seiji; BITTENCOURT, Ig Ibert. Inteligência Artificial Generativa na Educação. Maceió, IA.EDU/NEES, 2024. https://iaedu.nees.ufal.br/wp-content/uploads/2025/04/NT-1-Inteligencia-Artificial-Generativa-na-Educacao.pdf 
Mostram exemplos de prompts (comandos) e recomendações para oito cenários de aplicação da IA na educação.

CHOI, Ka Yan; WU, Chenze; MOORHOUSE, Benjamin Luke. Exploring the Use of Generative Artificial Intelligence (GenAI) in English Language Teaching: Voices from In-Service Teachers at  an Early-Adopting Hong Kong Secondary School. Technology in Language Teaching & Learning, v. 7, n. 2, 102516, 2025. https://doi.org/10.29140/tltl.v7n2.102516
Neste artigo os autores analisaram os usos que fazem da IA generativa três profesores que ensinam inglês em Hong Kong, assim como suas vantagens e desvantagens. 

MOREIRA, José António; DIAS-TRINDADE, Sara; KNUPPEL, Maria Aparecida; SERRA, Ilka Marcia Ribeiro de Souza. Quadro de referência das competências pedagógico-digitais de professores: pedagogical digcompedu reloaded. São Luis: EDUEMA, 2024. https://www.uvpr.pr.gov.br/wp-content/uploads/2024/08/PED_DIGCOMPEDU_RED24_final_PTBrasil_14ago.pdf
Este framework (Pedagogical DigCompEdu Reloaded) incorpora as novas possibilidades da IAgen às quatro dimensões do Quadro de Referência das Competências Pedagógico-Digitais de Professores (DigCompEdu).  

SALIH, Sayeed et al. Transforming education with AI: A systematic review of ChatGPT's role in learning, academic practices, and institutional adoption. Results in Engineering, v. 25, p. 103837, 2025. https://doi.org/10.1016/j.rineng.2024.103837 

Material relacionado: Lista com artigos sobre IA no ensino de línguas e na educação [link].  


Uma historinha alucinada. O problema das referências falsas criadas pela IA

Historinha alucinada. Parte 1

No relatório de estágio de um aluno muito bom aparecem descritos vários momentos de uso de Kahoot pela professora observada que ensina línguas estrangeiras.

Ótimo. Sugeri para o aluno procurar e mencionar alguma referência sobre o uso de Kahoot no ensino de línguas estrangeiras. Sei que existem muitas, porque esse é um tema que conheço bem, mas decidi não dar as referências diretamente e incentivar o letramento acadêmico dele.

Na segunda versão do relatório ele mencionou um autor acompanhado com esta referência que aparece na imagem, mas pude verificar que embora bastante realista, era uma referência falsa e escrevi para o aluno o comentário destacado em amarelo (ver Foto 1).


Observação: Se algum leitor ficou com dúvida pode conferir diretamente esse volume e número da revista neste link  ou utilizar o Google acadêmico procurando pelo título específico entre aspas ou cruzando título e autor.

Encontraram esse texto?


Historinha alucinada. Parte 2

Quando fui conferir esse autor e referência encontrei que existe um autor de igual sobrenome e com um artigo fundamental e muito citado, mas com um título apenas parecido. A IA que o aluno utilizou misturou uma coisa com outra e sugeriu uma referência que parece real. Dito de outra forma, foi uma referência inventada pela IA. Podem var nas Fotos 2 e 3 o artigo parecido.



mas podem ver que esse não é o texto citado pelo aluno (que não existe).
 

Historinha alucinada. Parte 3

Se conferimos o artigo real mais parecido com a referência artificial e usamos a estratégia de perguntar ao Google acadêmico quem o cita, encontraremos que esse texto mostrado acima foi citado 1366 vezes (ver seta vermelha na imagem inferior). Observem que no Google acadêmico podemos ordenar as citações pelas mais recentes (padrão) ou por data (ver seta azul). Podemos escolher artigos apenas em português (ver seta amarela) e existe a opção de escolher copiar a referência de uma forma bastante aproximada com o que a norma NBR 6023 da ABNT exige (depois é só copiar e acrescentar o link para o artigo original) (seta lilás).
(ver Foto 4)



Moral da história

Não confiem totalmente na IA generalista* e verifiquem sempre todas as referências encontradas, ainda parecendo reais ou até conhecidas.

O problema que acabei de mostrar sei que não é novidade para muitos. O fenômeno intrínseco das alucinações da IA generativa com grandes modelos de linguagem (LLM) é bem conhecido. Eu mesmo tenho comentado em várias ocasiões neste mesmo blog e em outros sobre o tema das alucinações, mas o que achei curioso agora é que até tinha um DOI. Tomei o trabalho de ver para onde ia esse DOI e simplesmente remete para outro trabalho de um autor bem conhecido, mas bem diferente do que estava procurando (link). Aí está para mim a novidade. É uma grande montagem sofisticada, uma colcha de retalhos até com DOI que dificulta a verificação, porque a referência é parcialmente real.

Com este comentário quero chamar a atenção dos docentes para reforçar o letramento acadêmico e estratégias de buscas de informação acadêmica dos alunos nossos como a que mostrei parcialmente na terceira parte acima. Não apenas trabalhar o letramento com IAgen, também necessário, mas voltar a nossa atenção para o letramento acadêmico "convencional" com recursos que já conhecemos, como o Google acadêmico e as estratégias corretas para procurar informação e verificar as citações (fazer a checagem).

Sinto que estamos perdendo mais tempo agora, se comparamos com o periodo pré-pandêmico, tendo que verificar as citações e autores dos textos escolares e acadêmicos que chegam até nossas mãos.

O problema aqui relatado foi com um trabalho de um aluno de graduação, mas fiz uma pesquisa informal tentando saber a causa de problemas como esse e o que encontrei me levou para o conhecimento de um cenário preocupante com as novas potencialidades da IA alimentando práticas controversas. Por exemplo, os LLM conseguem inventar pesquisas científicas completas (sem base real), com citações e tudo o que precisar (White; Harrer, 2025) e os DOI podem ser utilizados em publicações fake (Martín-Martín; López-Cózar, preprint 2025). A industria de trabalhos acadêmicos fake é enorme.

Por isso é tão importante no âmbito docente dedicar esforços para disseminar os alertas, checklists e guias de trabalho como foi feito neste Research Guide preparado pelos bibliotecários da Universidade de Waterloo mostrando que as referências geradas podem ser falsas (link)

* Uma IA generativa "generalista" é aquela destinada para propósitos gerais. São aquelas que geralmente tem uma orientação na tela inicial tipo "Pergunte-me qualquer coisa". Uma IA treinada para funções específicas pode ter resultados melhores.  


Referências
JOELVING, Frederik; LABBÉ, Cyril;  CABANAC, Guillaume. Fake papers are contaminating the world’s scientific literature, fueling a corrupt industry and slowing legitimate lifesaving medical research. The Conversation, 29 jan. 2025.
https://theconversation.com/fake-papers-are-contaminating-the-worlds-scientific-literature-fueling-a-corrupt-industry-and-slowing-legitimate-lifesaving-medical-research-246224

MARTÍN-MARTÍN, Alberto; LÓPEZ-CÓZAR, Emilio Delgado. Invasion of the journal snatchers: How indexed journals are falling into questionable hands. Zenodo,  January 29, 2025. https://zenodo.org/records/14766415 [acesso a partir da menção em Retraction Watch]

UNIVERSITY OF WATERLOO. ChatGPT and Generative Artificial Intelligence (AI): Incorrect bibliographic references. Research Guide. Last Updated: May 12, 2025.
https://subjectguides.uwaterloo.ca/chatgpt_generative_ai/incorrectbibreferences

WHITLE, Jon;  HARRER, Stefan. AI can be a powerful tool for scientists but it can also fuel research misconduct. Alliance for Science, March 23, 2025. https://allianceforscience.org/blog/2025/03/ai-can-be-a-powerful-tool-for-scientists-but-it-can-also-fuel-research-misconduct/  


14 de abr. de 2025

Um simpósio temático sobre Inteligência Artificial e ensino de línguas no próximo ENALA em Maceió

 



Durante o III ENALA (Encontro Nacional de Linguística Aplicada) que será realizado em setembro de 2025 na cidade de Maceió, Alagoas, terei o prazer de coordenar, junto com a professora Tatiana Lourenço de Carvalho, um simpósio temático presencial sobre o tema da Inteligência Artificial no ensino de línguas. 

Segue o resumo do ST 38 -  Inteligência Artificial no ensino de línguas: impactos pedagógicos, personalização da aprendizagem, inclusão e desafios éticos

O uso crescente da Inteligência Artificial (IA) no ensino de línguas tem gerado novos paradigmas pedagógicos, oferecendo ferramentas inovadoras que podem transformar a forma como a aprendizagem linguística é realizada. Considerando essa realidade, no simpósio temático em questão, nos propomos a realizar uma reflexão crítica sobre os impactos e desafios da IA no ensino de línguas, com foco em tecnologias baseadas em IA, como chatbots, assistentes virtuais e plataformas adaptativas, têm influenciado a prática pedagógica, as metodologias de ensino e o desenvolvimento das competências linguísticas. Ao longo do simpósio, serão discutidas questões sobre a personalização da aprendizagem, a adaptação do ensino às necessidades individuais dos alunos e o potencial da IA para promover a inclusão no ensino de línguas. Também serão abordados os desafios éticos e pedagógicos do uso dessas tecnologias, como a relação entre a automação e o papel do professor, a privacidade dos dados dos alunos e as implicações para a qualidade do ensino. A proposta busca reunir pesquisadores, professores e especialistas para compartilhar experiências, análises e propostas de soluções diante dos desafios que surgem com a integração da IA no ensino de línguas, contribuindo para o desenvolvimento de práticas educacionais mais eficazes, inovadoras e inclusivas.

Até o 15 de maio 15 de junho é possível enviar resumos. Será um prazer conversar com os colegas sobre este instigante tema.

No site oficial do evento https://enala.com.br/  podem encontrar mais informações sobre as inscrições e o evento, mas se tiverem alguma dúvida sobre o ST proposto podem escrever para meu e-mail gonzalo  @ cedu.ufal.br. 

2 de mar. de 2025

Alucinações ainda hoje nas pesquisas com IA generativa?

Infelizmente, ainda hoje, quando você faz uma busca de informação na Internet, os resumos gerados por IA que o Google proporciona continuam sendo pouco confiáveis. Apesar de parecer verdadeiros, devem ser lidos com muito cuidado.

As alucinações geradas por IA não são um tema novo, mas aqui vou focalizar nos resumos que o Google pode gerar quando você faz uma pesquisa no seu buscador on-line.

Esses resumos podem ajudar na obtenção de alguma informação rápida, mas com demasiada frequência percebo que quando faço uma pesquisa de algum termo ou assunto específico, as respostas possuem alguma informação que não é verídica ou correta. 

Vou dar um exemplo. Recentemente fiz uma pesquisa rápida sobre métodos e abordagens no ensino de línguas antes de dar uma aula e o resumo que apareceu, acompanhado de uma lista, tinha um elemento incorreto.

O perigo está em que diante dos olhos de um estudante essa mesma informação poderia parecer totalmente correta.

Vou ser muito sincero. Isso me deixa muito preocupado. Considero que é melhor ter uma informação insuficiente, pois sempre será possível procurar mais em outras fontes, que o problema que representa que o Google proporcione uma informação falsa que acreditamos que seja verdadeira. 

É verdade que na parte inferior do texto resumo aparece uma advertência de que a IA é experimental e pode conter erros, mas como o estudante vai saber que não é verdadeira uma determinada parte dessa informação?

Vocês imaginam um estudante entregando um trabalho solicitado e ter que dizer que não está bem quando ele acredita que não tem nenhum problema. No final, não foi gerado pela IA? 

Todos já conhecemos alguma notícia de problemas causados em âmbitos diversos por informações falsas. A causa são as chamadas alucinações da IA generativa, que considero que são um eufemismo para algo que na realidade é uma falha nesse tipo de sistemas.  

Não quero imaginar a situação hipotética de ter que ir a uma consulta médica e o médico prescrever uma receita que diga embaixo com letras miúdas. "Atenção: esta receita pode não ser totalmente verdadeira." 

Vocês permitiriam algo semelhante? 

Sei que de fato é uma comparação exagerada, mas com ela quero incentivar uma reflexão sobre por que deveríamos permitir algo parecido em alguns campos e em outros não. A educação não é um assunto sério também, assim como a saúde? 

Talvez seja melhor procurar a informação nos livros, na Wikipédia ou em outras fontes diretamente ou utilizar outros caminhos, mas de fato, não podemos obviar que a IA generativa já está embarcada em nossos dispositivos digitais e em quase todo o que fazemos com eles, marcando presença com um constante chamado para que sejam utilizados para "solucionar nossos problemas e dessa forma poder ser mais felizes". 

"Seu complemento diário" é o slogan de uma IA como se fosse alguma vitamina. Se vamos por esse caminho, vale lembrar que é verdade que a falta de vitaminas provoca muitos problemas de saúde, mas seu excesso também (entenda-se como os problemas que pode causar o  uso acrítico das ferramentas com IA generativa). Continuemos.

Nesta mesma semana aconteceu outro caso de informação parcialmente falsa que me motivou para escrever esta breve reflexão. Eu estava rascunhando um texto sobre auto-heteroecoformação tecnológica e precisava ler rapidamente uma obra bem específica para tomar a referência bibliográfica.

Conheço algo sobre o tema e sei qual obra estava procurando, mas precisava de novo a referência completa e data, que não lembrava bem. Com esse objetivo em mente digitei na janela do Google "autoheteroecoformação + leffa" porque estava procurando os dados de um capítulo de um livro escrito por Maximina Freire e Vilson Leffa. Como o sobrenome Leffa é muito menos comum que Freire, optei por digitar o termo específico que procurava + leffa.

O resultado foi como aparece nesta imagem:


Paulo Freire e Antonio Leffa? Como assim? Eles não foram os autores do conceito.

O termo auto-heteroecoformação tecnológica foi sugerido primeiro por Maximina Freire em 2009. Ela e Vilson Leffa continuaram desenvolvendo a ideia no texto que eu estava procurando. Deixarei as duas referências no final. 

Se não conheço bem o tema e me deixo guiar por essa informação posso ser prejudicado.

Dessa forma, recomendo, mas uma vez, ter muito cuidado com as pesquisas que sejam feitas. Parecia que esse tema negativo já tinha acabado ou pelo menos reduzido, mas não é bem assim. 

Como gosto muito de Perplexity decidi fazer a mesma indagação nele. 

 

Esta imagem mostra a captura de tela com o resultado, mas a indagação completa realizada com essa plataforma pode ser vista aqui.  

Bom, pelo menos aqui não inventaram os nomes. A pesquisa não deu nomes errados para os pesquisadores Freire e Leffa. Algumas referências não são das melhores, pois para elaborar a explicação sobre o termo utiliza, por exemplo, uma entrada de um blog, mas de fato, os outros artigos são relevantes.

De qualquer maneira, nos dois exemplos, Google e Perplexity, sería necessário procurar nas referências dos textos que foram sugeridos para encontrar o texto que eu estava procurando. 

Dessa forma, voltamos para a antiga e imperiosa necessidade de contribuir no ensino e desenvolvimento em nossos alunos das estratégias de busca de textos acadêmicos com a qualidade necessária. Por exemplo, mostrar como fazer pesquisas no Google acadêmico ordenadas por relevância ou por data, como procurar quem cita quem, etc.

Fica o aviso para docentes e alunos.

Referências

FREIRE, Maximina Maria; LEFFA Vilson. J. A auto-heteroecoformação tecnológica. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013, p. 59-78.

FREIRE, Maximina Maria. Formação tecnológica de professores: problematizando, refletindo, buscando... In: SOTO, Ucy; MAYRINK, Mônica Ferreira; GREGOLIN, Isadora Valencise (orgs). Linguagem, educação e virtualidade [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. https://doi.org/10.7476/9788579830174